Cravinho propôs planos de risco obrigatório há três anos

Foram precisos três anos de polémica e amargos de boca no seio dos socialistas para se chegar a um mesmo resultado. O Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) quer que todas as entidades públicas que gerem dinheiro, valores ou património público elaborem planos de gestão de riscos de corrupção e infracções conexas. Tal como pretendia João Cravinho num dos projectos de lei do seu famoso pacote anticorrupção de 2006.

O antigo ministro das Obras Públicas tinha proposta a criação de uma Comissão de Prevenção da Corrupção, sediada na Assembleia da República e composta por cinco magistrados eleitos e dois membros nomeados pelo Governo. Foi derrotado dentro do seu partido e acabou por renunciar ao mandato de deputado e ir para Londres. Mas as suas ideias foram fazendo caminho.

O PS acabou por criar o Conselho de Prevenção da Corrupção, a funcionar junto do Tribunal de Contas e composto pelo presidente desta estrutura, três inspectores-gerais e personalidades indicadas pelo Ministério Público, Ordem dos Advogados e um cooptado. Uma estrutura muito mais ligada ao Governo, como apontou João Cravinho.

No mesmo projecto, o então deputado tornava obrigatório a todas as entidades públicas, incluindo as da administração autárquica e do sector empresarial do Estado, a elaboração anual de planos de prevenção da corrupção com medidas preventivas de tráfico de influências, de corrupção, peculato, participação económica em negócio e conflito de interesses. Isto de acordo com um documento de orientações estratégicas elaborado pelo Governo.

Agora, o CPC emitiu, na sequência do questionário feito à administração pública, uma recomendação para que os órgãos dirigentes de todas as entidades gestoras de dinheiros, valores ou patrimónios públicos elaborem “planos de gestão de riscos de corrupção e infracções conexas” no prazo de 90 dias. Sem qualquer enquadramento superior.

“A análise das respostas ao citado questionário revela que as áreas da contratação pública e da concessão de benefícios públicos contém riscos elevados de corrupção que importa prevenir através de planos adequados de prevenção”, diagnostica o CPC. Cravinho já o tinha feito, mas não foi levado a sério.
L.B..

Falhas de controlo das entidades públicas abrem porta à corrupção

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Conselho de Prevenção da Corrupção detecta ausências graves de fiscalização do Estado Daniel Rocha (arquivo)

A Falta de verificação dos trabalhos a mais nas empreitadas. Ausência de verificação dos termos em que os contratos públicos são celebrados. Falta de controlo sobre conflitos de interesses e favoritismos. Ausência de sensibilização dos funcionários públicos para a intolerância face a casos de corrupção. São algumas das falhas detectadas pelo Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) na actuação dos organismos públicos. E representam “riscos elevados de corrupção”.

As conclusões surgem no relatório-síntese do questionário sobre avaliação da gestão de riscos de corrupção e infracções conexas, a que responderam cerca de 700 serviços e organismos da administração pública, central, regional e local, incluindo o sector empresarial local. E embora não sejam feitas considerações qualitativas sobre as falhas detectadas, o seu reconhecimento levou o CPC a deliberar no sentido de serem feitos planos de gestão de riscos de corrupção por todas as estruturas públicas que mexam em valores (ver caixa).

Neste relatório-síntese fala-se de tendências, umas unânimes, outras relativas, outras evidentes, outras generalizadas. São os únicos adjectivos do documento, que se limita a constatar tendências e padrões. Na área da contratação pública, por exemplo, verifica-se uma “tendência generalizada” dos serviços para não negociarem os termos dos contratos nem sequer serem eles a redigir as respectivas minutas. Muitas vezes essa tarefa é confiada a “gabinetes externos especializados”. A preparação dos projectos e cadernos de encargos é também com frequência feita por “especialistas externos”, sem um padrão uniforme nessa contratação.

Como se não bastasse, os serviços “tendem a não verificar” os termos em que o contrato é celebrado, nem a garantir que não são feitas adendas ou alterações a posteriori, nem mesmo, no caso das empreitadas, a verificar se há motivos reais para a existência de trabalhos a mais. No entanto, cumprem-se os formalismos burocráticos, como exigir declarações de inexistência de interesses particulares entre as partes ou não ultrapassar os limites legais para a execução dos contratos.

Quando os contratos são de aquisição de bens ou serviços, verifica-se não existirem medidas para prevenir conflitos de interesse, pondo-se em causa a transparência e abrindo a porta a “eventuais situações de corrupção e de favoritismo injustificado”. Para mais, é frequente só se avaliar a qualidade e o preço dos bens e serviços adquiridos depois das compras e contratos feitos.

A situação também é opaca em matéria de concessão de benefícios públicos. A chamada “subsidiodependência” parece começar nos próprios serviços, que preferem conceder subsídios a outras formas de apoio, como bonificações, ajudas, incentivos ou donativos, diz o relatório. Mas o mais grave é a falta de fundamentação e de controlo nessa atribuição. Os serviços poucas vezes fixam prazos e formas de verificação e apreciação desses apoios. E não verificam “eventuais relacionamentos” entre a entidade fiscalizadora e o beneficiário que possam pôr em causa a isenção da fiscalização.

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