It's Not Me, It's You

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Ela canta sobre crack e Prozac, informa-nos que a banda preferida de Deus são os Creedence Clearwater Revival (o Divino tem bom gosto) e canta sobre miúdas que vêem a vida acabar aos 30 porque não encontraram o homem da vida delas (Lily não é feminista, é feminina e romântica, apesar do discurso explícito).

Ou seja, ao segundo álbum, Lily Allen mantém a lírica afiada. Tudo cantado na primeira pessoa, tudo um relato realista sem espaço para metáforas ou duplos sentidos. O que muda, agora, é a música. Na produção, saiu de cena o omnipresente Mark Ronson, substituído por Greg Kurstin, do duo Bird And The Bee, e saiu de cena o ska e o reggae que, em "Alright, Still", o álbum de estreia, serviram de alicerce à maioria das canções. Reconhecemos Lily Allen pela voz e pelo sotaque cerrado, por aquela métrica nascida num mundo onde o hip hop é referência incontornável e Mike Skinner, dos Streets, modelo não assumido. Reconhecemo-la porque, apesar daquilo que ouvimos de diferente, a qualidade pop da sua música mantém-se inalterável. "It's Not Me, It's You" é um caleidoscópio de fantasias pop, alicerçada na actualização de linguagens vintage. "Not fair", por exemplo, flirta com a country (banjo incluído), faria as delícias de Lee Hazelwood e trata a problemática do amante egoísta (a rapariga passa horas a cansar-se num "fellatio" e o rapaz não corresponde em dedicação). "Never gonna happen", outro exemplo, tem sanfona a marcar-lhe o andamento e é "canção-teatro" para espectáculo de vaudeville (ainda não decidimos se seria mais apropriada ao Festival da Canção ou a programa dos Monty Python, o que é bom sinal). E há também precisão Motown cristalizada em paisagem digital ("22" é óptimo lamento), synth-pop tão agradavelmente descartável quanto a letra cantada ("all is cool as long as I'm getting thinner", canta Allen em "The fear") e, maravilha das maravilhas, delírio dos delírios, essa "Fuck you" com aroma etilizado de piano bar e melodia de fazer inveja aos Abba - e ela chama todos os nomes a George W. Bush numa fanfarra que chega ao limiar do surreal quando o praguejar do título se multiplica em vozes infantis distorcidas e harmonias à "Bohemian rapsody". Claro que anda por ali uma "Chinese", balada lamechas demasiado feliz com a vida e com a banalidade da melodia, que está a mais no cenário - tal como, de resto, "Who'd have know", construída sobre o refrão de "Shine", dos Take That. Sequenciadas na segunda metade do álbum, quebram uma dinâmica que era, até aí, inatacável. Tudo reunido, contudo, o que retemos é a primeira impressão: o piano martelado entre cascata de sintetizadores, a bateria a disparar funk digital e Lily, nessa "Everyone's at it" que abre o álbum, a cantar noites longas demais e demasiada cocaína enquanto outra noite, a nossa, começa da melhor maneira. O par de tiros ao lado não macula um álbum pop de uma actualidade contagiante. Lily ganha outra vez.

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