V. S. Naipaul não aceita a sua “biografia autorizada”

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V. S. Naipaul Chris Ison/Reuters (arquivo)

O escritor V. S. Naipaul, Prémio Nobel da Literatura em 2001, recusou-se a falar sobre a sua “biografia autorizada” numa entrevista ao PÚBLICO que será publicada esta quarta-feira.

Naipaul, de 76 anos, está em Lisboa a convite da Fundação Gulbenkian, e no princípio da entrevista, ao ver o livro, pediu mesmo que ele fosse retirado da sua vista, insistindo que nem o lera nem queria explicar porquê. Até agora, sublinhou, nunca disse o que pensava da biografia e portanto esta é a primeira vez que revela que não a aceita.

A biografia, “The World As It Is – the authorized biography of V. S. Naipaul”, foi escrita por um inglês de 42 anos, Patrick French, e está ser amplamente divulgada e vendida na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, com grande sucesso crítico.

O diário inglês “The Guardian” considerou-a “brilhante”, a revista americana “New Yorker” dedica-lhe um extenso artigo na edição desta semana onde a resume como “extraordinária, e a “New York Review of Books” publicou há duas semanas um longo ensaio de Ian Buruma, que a achou “soberba”. Buruma é um grande conhecedor da obra de Naipaul e conta nesse texto como foi convidado há anos para escrever a biografia autorizada de Naipaul e não aceitou por lhe parecer difícil fazer um “livro honesto”, para mais tendo em conta que o biografado está vivo e tem fama de ser um homem difícil. Mas o trabalho de French, escreve Buruma, afinal mostra que era possível fazer um bom livro.

Patrick French – que não quis comentar a reacção de Naipaul, segundo ontem disse a sua editora britânica ao Público – explica na introdução do livro que V. S. Naipaul lhe deu um acesso ilimitado ao seu arquivo de textos, incluindo o espólio de cartas e diários da sua primeira mulher. French pôde ainda entrevistar longamente Naipaul ao longo do tempo, e diz que no fim o escritor não quis fazer qualquer alteração.

Ao Público, Naipaul disse que “quis corrigir muitas coisas” de que ouviu falar, mas que French “insistiu que tinha que as escrever”, e que o manuscrito não passara (“unpassed”) e não fora verificado (“unchecked”) por ele.

A biografia já foi descrita pelo “New York Times” como “retrato do artista enquanto monstro”, um bom resumo para 500 páginas minuciosas. Tal como é citado por French, Naipaul revela que se sente de alguma forma culpado pela morte da primeira mulher (Patricia, que morreu de cancro e viveu uma vida de auto-anulação), e como ter descoberto o prazer carnal intenso com uma amante o salvou de morrer enquanto escritor. Com esta amante (a anglo-argentina Margaret), Naipaul teve uma relação sado-masoquista durante 20 anos. Uma vez, diz Naipaul citado por French, bateu-lhe tanto que a mão lhe ficou a doer e a cara dela ficou marcada.

Para além das relações com as mulheres, o Naipaul retratado por French foi humilhado várias vezes na infância e na juventude, é consistentemente egoísta, declara várias vezes não ter amigos e não confiar verdadeiramente em ninguém, e tem como ambição central ser reconhecido como o grande escritor do seu tempo.

O retrato é complexo e nunca caricatural, oferecendo vários outros ângulos de um escritor que em cerca de 30 livros procurou compreender “o mundo tal como ele é”, da América Latina à Ásia, de África à Europa, na sua verdade mais negra ou patética, muitas vezes oposta à politicamente correcta, disponível para ver e ouvir gente anónima em qualquer lugar.

A Dom Quixote acaba de publicar em Portugal o seu último romance, “Sementes Mágicas”.

Na entrevista ao Público, Naipaul fala de como um escritor não pode ficar sentado a inventar histórias e tem que ir ver o mundo; de como a América é demasiado grande e Obama não vai fazer diferença; de como a Arábia Saudita é um país perigoso e o Irão será um problema; e de como o que define um escritor é continuar: escrever um livro após outro.

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