Justiça brasileira decide futuro de reservas indígenas

Ao iniciar hoje o julgamento sobre a legalidade da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil fará jurisprudência sobre as terras ocupadas por índios, qualquer que seja a decisão.

Pendentes nos tribunais brasileiros estão mais 44 acções do género, fundamentalmente na Amazónia, mas também nos estados da Baía, Pará, Paraíba-Pará, na Paraíba, no Distrito Federal de Brasília e no Rio Grande do Sul.

"Esta decisão do Supremo é de um extrema importância, vai determinar um paradigma, vai abrir o ensejo a outras acções que contestem a demarcação de reservas no país", expôs ao PÚBLICO Roberto Liebgott, vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário. A importância simbólica deste processo é igualmente reconhecida pelo juiz Carlos Ayres Britto, dos magistrados encarregados de julgar o processo de Roraima.

No início do Verão, os índios da Serra do Sol trouxeram à Europa uma campanha de sensibilização pela causa indígena, que passou por vários países. No fim de Junho e em Julho, uma delegação de índios da reserva Raposa Serra do Sol passou também por Portugal.

"Vamos decidir sobre a Raposa Serra do Sol. Mas, se decidirmos a partir de coordenadas constitucionais e objectivas, servirá de parâmetro para todo e qualquer processo de demarcação", frisou o juiz Carlos Ayres Britto.

Em Roraima, à espera da decisão do STF, que só deve ser conhecida amanhã, estão, por um lado, 20 mil índios de várias etnias que exigem a delimitação da reserva de 1,7 milhões de hectares, demarcada em 1998 e homologada pelo Presidente, Lula da Silva, em 2005 - o que implica a retirada dos "não índios".

Receio de confrontos

Do outro, 32 fazendeiros, na maioria produtores de arroz, prometem resistir a uma eventual ordem de expulsão. Em Abril, o Supremo suspendeu o processo que resultaria na retirada desses fazendeiros, por temer uma escalada de violência - de facto, registaram-se vários confrontos e bloqueios de estradas.

Mas a crispação entre ambas as partes continua latente e já levou o Governo brasileiro a deslocar para a região um contingente da Força Nacional de Segurança.

O produtor de arroz e prefeito da cidade de Pacaraima, João Paulo Quartiero, que liderou a resistência à presença da Polícia Federal na região, em Abril, afirmou que uma decisão favorável à reserva vai deixá-lo duplamente desempregado.

"Vou perder a fazenda de arroz e o cargo de prefeito de Pacaraima, porque, se a demarcação avançar, a cidade desaparece do mapa", explicou ao jornal O Globo.

Na comunidade indígena, cresce o temor de uma onda de vingança, caso a decisão dos juízes lhes seja favorável. "Temos ouvido muitas ameaças. Pode acontecer um massacre por aqui", advertiu o índio macuxi Dionito José de Souza, coordenador do Conselho Indigenista de Roraima.

Nos últimos dias, têm decorrido no Brasil vários actos de protesto e sensibilização encetados pelas duas partes. A par de marchas em defesa dos direitos dos povos indígenas, surgiram também grupo de apoio aos fazendeiros, que há 20 de anos investiram na área da reserva.

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