Os sandinistas entraram em Manágua há 25 anos

De todas as revoluções latino-americanas, a da Nicarágua foi uma das que mais apaixonou as gerações do seu tempo, uma revolta feita de "luzes e de sombras". Hoje, o país é uma democracia muito pouco radical, marcada pelo mercado livre e as privatizações, e onde três quatros da população sobrevive com muitas dificuldades.

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Guerilheiros sandinistas entram triunfalmente em Manágua DR

Os sandinistas entraram em Manágua há 25 anos, no dia 19 de Julho, pondo fim a uma das mais antigas e repressivas oligarquias da América Latina. "Sem Somoza, a Nicarágua será livre!" - tinham dito os rebeldes. Mas os sonhos mais íntimos da revolta ficaram pelo caminho, vítimas das contradições do processo, que mobilizou uma geração, e da hostilidade dos Estados Unidos. No Relatório de Desenvolvimento Humano de 2004, o país ocupa a posição 118, muito longe dos mínimos por que lutou.

Empurrado por uma imparável ofensiva geral da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), Anastasio Somoza Portocarrero abandonara dois dias antes o comando da Guarda Nacional para fugir, com o pai, o Presidente Anastasio Somoza Debayle, para os Estados Unidos. O clã Somoza deixava definitivamente o país que o antepassado García tomara de assalto em 1927 e mantivera desde então como uma quinta de família.

No poder, apoiados por milhares de jovens guerrilheiros, incluindo muitas mulheres, os sandinistas entregaram-se a uma revolução ainda fresca e sem arestas. Tinham entrado em triunfo, entre milhares de pessoas e de vivas na capital. Nacionalizaram os bens não produtivos e as propriedades dos ditadores fugidos. Lançaram uma reforma agrária, um plano para alfabetizar 400 mil pessoas e um programa de saúde cobrindo todo o país. E com tudo isso, livre ainda de dogmatismos, criaram uma dinâmica regional sem precedentes. "Se a Nicarágua venceu, São Salvador também vencerá!" - disseram, ao lado, os rebeldes da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional.

Mas poucos meses depois, o triunfo que o Presidente norte-americano Jimmy Carter apoiara, tomou outros contornos. Os novos dirigentes da FSLN optaram por um projecto de estatização com pouco a ver com as primeiras ideias, um projecto inspiradamente marxista. Viraram também as costas aos operadores económicos, empresários e comerciantes, expropriaram camponeses para colectivizarem as suas terras e entraram em rota de colisão com a poderosa Igreja Católica. O facto de vários dos líderes rebeldes serem - ou terem sido - padres não amenizou o choque.

Integração à força no "império do mal"

Tudo isto e mais a aproximação a Cuba e à União Soviética abriu rupturas internas e atraiu a animosidade do novo Presidente americano, Ronald Reagan, anunciadamente disposto a dar luta ao "império do mal" na América Latina. "Foi um processo muito intenso, que provocou enormes contradições pois tocou nas fibras mais sensíveis da sociedade", reconheceu há dias, entrevistado pela AFP, o antigo vice-Presidente e escritor, Sérgio Ramirez.


O estado de graça da revolução acaba em 1981. Antigos guardas somozistas acoitam-se nas Honduras, onde se fardam e armam para contra-atacar - são os "contras", de Éden Pastora. A segunda guerra civil nicaraguense fará 29 mil mortos. Os Estados Unidos lançam um embargo. A contra-revolução escava fundo dentro e fora do país. Um pouco de todo o lado chegam apoios aos sandinistas, da Europa, do Canadá, da América Latina, mesmo dos EUA. A medição de forças ainda corre a favor de Daniel Ortega nas presidenciais de 4 de Novembro de 1984, que ele ganha com 63 por cento dos votos, numa corrida acompanhada por observadores internacionais, o que vai dar mais seis anos ao sandinismo. Que no fim no entanto se afundará.

Instada a provar nas urnas a sua popularidade e convencida de uma vitória fácil, a FSLN concordará com a realização de eleições de Fevereiro de 1990, que acabam por perder. Ganha-as uma candidata de peso, Violeta Chamorro, com 54,2 por cento dos votos, depois de prometer ao país a paz, o fim do embargo e a prosperidade. Chamorro é viúva de Pedro Chamorro, antigo director do diário "La Prensa", mandado assassinar por Somoza.

O sandinismo passa então para a oposição, onde, dilacerado por episódios de corrupção e jogos de poder, verá empalidecer a estrela dos dias de triunfo de Manágua. O vice-Presidente Ramirez e os irmãos Fernando e Ernesto Cardenal, abandonam o partido, governado com mão de ferro por Daniel Ortega. Os ideais de outrora cedem perante os pragmatismos do sistema parlamentar representativo de partidos, as políticas de alianças diluem o passado, o fim da guerra fria torna tudo ainda mais difuso.

A Nicarágua é hoje uma democracia muito pouco radical, marcada pelo mercado livre e as privatizações, onde 70 por cento dos seus 5,2 milhões de habitantes são pobres. Mas talvez seja cedo ainda para julgar a história. Porque a revolução sandinista, como diz Sérgio Ramirez, foi uma etapa de "luzes e sombras, de conquistas e erros", difíceis de julgar a esta distância ainda.

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