Alterações climáticas poderão pôr em risco a qualidade do vinho português

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O aumento de temperaturas previsto para daqui a 50 anos poderá afectar o vinho do Douro e Alentejo DR

O travo do aquecimento global poderá ser ácido para o vinho português. O alerta é dado por especialistas de três universidades norte-americanas que analisaram a relação entre a qualidade do vinho de 27 regiões vitivinícolas de todo o mundo e as temperaturas registadas nessas zonas nos últimos 50 anos.

Os investigadores descobriram que a qualidade das colheitas melhorou tendencialmente à medida que as temperaturas foram aumentando, mas afirmam que o aquecimento previsto (na ordem dos 2,6 graus Celsius) para os próximos 50 anos pode comprometer o cultivo da vinha tal como é feito actualmente em regiões de clima mais quente, como é o caso de Portugal e Espanha.

No que concerne aos vinhos portugueses, o estudo orientado por Gregory Jones, investigador da Universidade do Sul de Oregon, foram ponderados indicadores referentes às regiões do Douro e do Alentejo. Jones e os colegas de equipa (Michael White, da Universidade Estadual do Utah e Owen Cooper, da Universidade do Colorado) concluíram que nos últimos 50 anos, tanto no Douro como no Alentejo, houve um aquecimento da ordem dos 0,5 a 0,9 graus Celsius no que respeita a estação vegetativa da videira.

Em relação à estação de dormência da planta, os valores do aumento da temperatura são ainda mais notórios: em cinco décadas, os Invernos ficaram cerca de 1,5 graus Celsius menos rigorosos.

Se o aumento ligeiro da temperatura proporcionou aos vitivinicultores portugueses algumas das melhores colheitas de sempre (caso da colheita de 1997), um aumento mais expressivo da temperatura poderá colocar em risco a qualidade dos vinhos cultivados nos socalcos do Douro e nas planícies do Alentejo. Os valores que os investigadores ponderam para Portugal nos próximos 50 anos são, de acordo com Gregory Jones, dos mais preocupantes entre os obtidos: "Na análise que fizemos do aquecimento provável para Portugal para o período entre 2000 e 2049, deparámo-nos com um aumento da ordem do meio grau por década. Ao fim dos 50 anos, tal significa um aumento de 2,4 graus para a região do Douro e de 2, 8 graus para o Alentejo."

Em termos absolutos, a magnitude dos valores obtidos - das 27 regiões vitivinícolas analisadas, as da Península Ibérica são as que apresentam os índices mais elevados de aquecimento - é suficiente para que se torne, nas palavras de Jones, "virtualmente impossível cultivar vinha nestas regiões se os produtores não equacionarem medidas de adaptação às mudanças climáticas". O grau de maturidade das uvas e a qualidade do vinho são tidos pelos investigadores como bons indicadores dos efeitos climáticos.

Para chegar às conclusões que apresentou em Seattle (EUA), em Novembro, a equipa de Gregory Jones comparou a classificação atribuída pela Sotheby's ao vinho produzido ao longo do último meio século com a variação dos valores da temperatura durante o mesmo período. Numa escala de classificação de 100 pontos, os vinhos a que é atribuído uma classificação de 90 são considerados de "excelentes a magníficos" e aqueles a que é atribuída uma classificação de 40 são tidos como "zurrapa". Os investigadores verificaram que a um aumento subtil da temperatura média - de cerca de dois graus Celsius - correspondeu uma melhoria gradual e significativa na qualidade dos "vintages" obtidos.

A ameaça climática

As projecções para o período 2000-2049 obedecem a critérios e metodologias diferentes, mas não é por isso que perdem consistência ou credibilidade. A equipa de Gregory Jones recorreu a um modelo britânico que conjuga a circulação geral das correntes oceânicas e atmosféricas para tentar compreender de que forma poderá o aumento da temperatura surpreender no futuro os produtores de alguns dos mais conceituados vinhos do mundo.

O modelo, desenvolvido no Centro Hadley para a Investigação e Previsão do Clima, na Grã-Bretanha, foi já usado em estudos similares, nomeadamente na construção de cenários futuros e simulações tendo em vista a agricultura do século XXI.

No que respeita ao cultivo da vinha, as conclusões agora avançadas podem ter de significar um corte radical com os métodos, as práticas ou mesmo as espécies cultivadas: "Se os modelos climáticos estão certos e se viermos a assistir às mudanças neles previstas, os produtores terão necessariamente de optar por outras variedades de vinha, escolhendo aquelas que se adequam melhor a climas mais quentes ou replantar as variedades que hoje cultivam em locais mais elevados", afirmou Gregory Jones ao PÚBLICO.

O investigador diz que uma outra possibilidade de precaver os efeitos agora equacionados é a de reforçar o recurso à tecnologia como forma de enfrentar algumas das adversidades consideradas. Ainda assim, deixa um alerta: "O tipo de clima que conhecemos não será de todo o mesmo que nos espera no futuro e só aqueles que se conseguirem adaptar, ponderando a variante climática antecipadamente, conseguirão prosperar."

Do ponto de vista biológico, um clima mais quente pode acelerar o metabolismo da videira até um limite em que esta se torna improdutiva. A planta responderá a ambientes mais quentes com um processo de desenvolvimento mais rápido. O processo irá, em última instância, culminar na antecipação progressiva da época de vindima e em colheitas de menor qualidade, em que a tendência para a concentração de açucares aumenta na mesma medida em que a competitividade do vinho diminui.

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