Vice-presidente Michel Temer não se demite, se Dilma ficar

Horas depois de a Presidente Dilma Rousseff o acusar de ser um dos “chefes da conspiração” contra ela, o vice-presidente brasileiro garantiu que continuará no Governo se o impeachment for derrotado

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Vice-presidente do Brasil, Michel Temer, descartou um pedido de demissão REUTERS/Ueslei Marcelino

Apesar de se ter incompatibilizado com Dilma Rousseff e de se estar a preparar para substituí-la, contando com o impeachment, Michel Temer diz que não deixará a vice-presidência se a Presidente brasileira sobreviver ao processo de destituição instaurado contra ela no Congresso e permanecer no cargo. “Se nada acontecer, tudo continuará como dantes”, disse Temer em entrevistas ao Estado de S. Paulo e Globonews na terça-feira. “Nada mudará”, afirmou o vice-presidente, num tom irónico, notando que em “cinco anos e pouco” de convivência com Dilma nunca foi chamado “para participar das questões de Governo”. “De modo que, digamos assim, se nada acontecer, tudo continuará como dantes, não é?”

Temer foi duramente atacado no mesmo dia pela Presidente Dilma, que, num discurso no Palácio do Planalto, o acusou de ser um “chefe da conspiração” e um “golpista” (nome que os defensores do Governo dão aos partidários do impeachment, por considerarem que o processo movido contra Dilma é uma tentativa ilegítima de retirar uma Presidente eleita e assumir o poder). Dilma reagiu à divulgação, no início da semana, de uma gravação de 14 minutos em que Temer faz um discurso à nação como se o impeachment já tivesse acontecido e estivesse prestes a assumir a Presidência. Enquanto vice-presidente, ele é o substituto previsto na lei para assumir o cargo caso Dilma seja afastada.

No discurso que Temer fez e diz ter enviado “sem querer” para um grupo de WhatsApp, o vice-presidente esboça o seu programa de Governo e apresenta-se como um conciliador que se propõe “reunificar” um país dividido. Não é segredo que, nas últimas semanas, Temer e o seu partido têm feito um intenso trabalho de bastidores para discutir e ganhar apoio para um Governo PMDB num cenário pós-impeachment. O PMDB, que é o partido com a maior bancada parlamentar e que era o principal aliado de Dilma, rompeu com a coligação do Governo no final de Março. Nas entrevistas que deu terça-feira, Temer já fala como se estivesse em campanha: “Nós tiraremos o país da crise” diz.

O chefe de gabinete de Dilma, Jaques Wagner, disse aos jornalistas que Temer devia demitir-se se o impeachment for derrotado e Dilma permanecer no cargo. O vice-presidente garantiu que isso não vai acontecer, descrevendo as declarações de Wagner como “um arroubo”. “Então, renunciar não?”, insiste o Estado de S. Paulo. “Por favor, né...”, ri-se Temer.

A relação, no mínimo atípica, entre a Presidente e o seu vice-presidente é fruto do sistema político brasileiro, assente no chamado “presidencialismo de coligação”. Diferentemente do que acontece em Portugal, a eleição do Governo e do parlamento são distintas e, num sistema multipartidário como o brasileiro (25 partidos têm assento no Congresso) dificilmente o partido do ou da Presidente conseguem obter uma ampla maioria parlamentar sem formar alianças com outros partidos. Temer, do PMDB, concorreu às eleições de 2010 e de 2014 como candidato vice-presidencial de Rousseff.

Nas entrevistas, Temer não criticou Dilma directamente pelas suas declarações de terça-feira. Esse papel coube ao presidente do PMDB, Romero Jucá, numa clara estratégia para preservar a imagem do vice-presidente como alguém que não se envolve no jogo de acusações e disputas políticas. Jucá disse lamentar que “a Presidente Dilma esteja a perder o equilíbrio, colocando culpa noutras pessoas pelos erros do Governo”. “Era melhor que a Presidente tivesse um pouco mais de equilíbrio e análise das suas próprias limitações”, declarou.

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