Vice-ministro boliviano brutalmente assassinado por mineiros

Rodolfo Illanes foi morto com pedradas e o seu corpo foi deixado na berma da estrada. Em causa está lei que vem desafiar interesses das cooperativas mineiras.

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REUTERS/Bolivian Presidency

Tinha sido por sua própria iniciativa que o vice-ministro boliviano do Interior, Rodolfo Illanes, decidiu viajar até Panduro, 185 quilómetros a Sudeste de La Paz, para se encontrar com os mineiros que há semanas protestam contra o Governo e bloquearam a principal estrada do país. O encontro correu da pior maneira possível e Illanes foi brutalmente assassinado.

O vice-ministro de 58 anos dirigiu-se para Panduro às primeiras horas da manhã de quinta-feira, mas terá sido sequestrado por um grupo de “cooperativistas”. Os manifestantes mantiveram Illanes retido durante várias horas e a morte do governante foi comunicada já ao final do dia pelo ministro Carlos Romero. Numa comunicação ao país, o ministro, de rosto carregado, disse que Illanes foi “cobarde e brutalmente assassinado”.

De acordo com o Governo, o crânio de Illanes foi esmagado com uma pedra e o seu cadáver foi atirado de um penhasco. Antes, terá sido torturado pelos autores do seu homicídio. “O rosto estava todo ensanguentado, havia sangue que saiu profusamente pelo nariz, o crânio estava esmagado, supomos que tenha sido alvo de uma pedra grande com a qual o mataram”, disse o ministro do Trabalho, Gonzalo Trigoso à Agência de Notícias Fides.

O destino de Illanes estaria já traçado. Um dos líderes de uma das cooperativas mineiras que estão em guerra aberta com o Governo boliviano foi citado pela rádio Erbol a ameaçar matar o vice-ministro se mais algum dos manifestantes fosse morto pela polícia, assegurando que tinha dois caixões já preparados. Foi o que aconteceu durante uma acção policial para terminar com o bloqueio da principal estrada do país, que liga La Paz e Oruro. Rubén Aparaya, de 26 anos, membro de uma das cooperativas mineiras foi abatido pelas autoridades — dois outros "cooperativistas" também foram mortos nos últimos dias, embora o Governo assegure que a polícia não usa armas letais. A morte de Illanes seguiu-se pouco depois de ter sido conhecida a notícia da morte de Aparaya. O corpo do ministro foi encontrado na berma da estrada envolvido numa manta.

Na manhã desta sexta-feira, a polícia deteve dez “cooperativistas” e ocupou a sede da emissora de rádio da Fedecomin (Federação Departamental de Cooperativas Mineiras de La Paz). O bloqueio dos mineiros em curso desde terça-feira foi levantado e, às primeiras horas da manhã, o trânsito já fluía, segundo o jornal La Razón.

O Presidente, Evo Morales, decretou três dias de luto nacional e denunciou as manifestações dos trabalhadores das minas como uma “conspiração política e não [como produto de] uma reivindicação social”. “Alguns cooperativistas fazem-se passar por cooperativistas quando na verdade são empresários mineiros”, acrescentou Morales.

Os protestos do sector mineiro têm na mira uma lei aprovada na semana passada que vem reformar o enquadramento das cooperativas. Ao contrário da maioria das actividades económicas na Bolívia, as cooperativas mineiras gozavam até agora de um estatuto diferenciado. “Paga menos regalias e impostos pelos seus lucros e não tinham obrigações laborais nem sindicais”, explica o jornalista da BBC Boris Miranda.

As cooperativas constituem uma importante base de apoio eleitoral para Morales, eleito em 2005, e até se puseram do seu lado na luta para se poder candidatar a um quarto mandato presidencial — iniciativa derrotada nas urnas em Fevereiro. Mas a nova Lei das Cooperativas vem pôr em causa o estatuto que estas estruturas detinham, ao permitir a sindicalização dos trabalhadores do sector. O Governo acusa as cooperativas de servirem para ocultar abusos sobre os direitos dos trabalhadores e contra o meio ambiente.

Os líderes das cooperativas mineiras dizem que a nova lei irá pôr em causa a continuação da sua actividade, uma das mais atingidas pela degradação da economia nos últimos dois anos, causada pela queda do preço das matérias-primas, explica o El País. Cerca de cem mil pessoas trabalham na chamada “mineração de sobrevivência”, explorando pequenas jazidas a troco de baixos salários.

Numa economia altamente proteccionista, o Governo lançou também a suspeita de que a posição das cooperativas abre caminho à entrada de empresas estrangeiras na exploração dos recursos minerais do país, rico em zinco, ouro e prata. “Querem utilizar a maquilhagem do cooperativismo para entregar os recursos às empresas transnacionais”, dizia recentemente o ministro Carlos Romero.

A morte de Illanes pode ter enterrado o processo de negociação pacífica entre o Governo e as cooperativas. “Em geral, o Governo é cuidadoso nestes casos e prefere negociar”, observa Boris Miranda. “Mas com o assassínio de uma autoridade é capaz de optar por uma demonstração de força, apesar do perigo que isso implica.” Já esta sexta-feira, a ministra das Comunicações, Marianela Paco, informou que o diálogo com os “cooperativistas” está “suspenso”.

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