Uma conspiração de idiotas

Berlim. — Cheguei sem mostrar o passaporte ou qualquer outro documento uma única vez. Os euros não são muitos mas também funcionam aqui. Talvez o idiota seja eu. Ou talvez as notícias do fim de Schengen, do euro e da UE sejam um bocadinho exageradas.

Mas não serei, ao menos, o único idiota. Estou aqui para participar do lançamento do DiEM 25, mais um movimento que quer lutar por uma refundação democrática da União Europeia. Yanis Varoufakis, que tem todas as razões para não gostar das reuniões do eurogrupo e muito poucas para simpatizar com eurocratas, é o nosso anfitrião e também chegou à conclusão, após muitas vicissitudes, que o melhor caminho para a esquerda europeia é ficar dentro do euro e da UE e tudo fazer para os reformar.

Há mais. Estão cá vários camaradas dos verdes europeus, mas esses já são suspeitos de “cosmopolitismo desenraizado” e, quem sabe o horror, às vezes até culpados de federalismo. Mas estão também os camaradas do Die Linke, o partido mais à esquerda na política alemã, que também entendem que a democracia europeia é a forma de não deitar fora as conquistas do pós-guerra.

Podíamos continuar. O líder mais à esquerda que os trabalhistas britânicos já tiveram, Jeremy Corbyn, anunciou recentemente que fará campanha pelo “Sim” no referendo sobre a manutenção do Reino Unido na União Europeia, pois “ficar na UE é a melhor maneira de poder votar por uma Europa verdadeiramente social”. Em Espanha, o Podemos e Pablo Iglesias abandonaram o seu euroceticismo inicial, defendem a reforma do euro e aproximam-se cada vez mais da necessidade de democratizar a União. Na Grécia, Tsipras chegou à mesma conclusão.

No meio de tudo isto, inteligente mesmo é aquela esquerda, numerosa em Portugal, que prefere a desintegração do euro (como Le Pen) e acha que não há lugar para a democracia fora do estado-nação (como Orbán). As profecias sobre o fim da UE, sempre doutas quando não catedráticas, abundam: está para breve, ou é mais daqui a bocado quando as primeiras profecias falham, ou — quando falham as segundas — o fim já foi e o euro ou o projeto europeu, “de facto”, já acabaram (de acordo com uma teoria qualquer que o justifique).

Com tantas certezas, será talvez uma conspiração de idiotas vir a Berlim defender que uma democracia europeia não vai contra as democracias nacionais mas é antes a melhor forma de as preservar sem por em causa a paz e a prosperidade no continente. Será talvez uma idiotice defender uma UE em que a Comissão Europeia seja eleita por via parlamentar, em que os cidadãos possam ir ao Tribunal de Justiça da UE quando os seus direitos são violados, em que o Parlamento Europeu possa iniciar legislação e em que no Conselho da UE não sejamos representados por diplomatas mas por legisladores eleitos. Será talvez idiota dizer aos jovens que já nasceram nesta Europa que, se lutarem por fazê-la democrática, terão aqui futuro — e aqui darão futuro a muitos que o procuram neste continente.

Mas ao menos seria bom que a esquerda portuguesa entendesse que se os progressistas desistirem do projeto europeu estarão a fazer o jogo às duas direitas: à extrema-direita que agradece a reprodução do seu discurso, e à direita no poder que agradece a falta de comparência na definição das políticas europeias.

Historiador, dirigente do Livre

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