Um barómetro do planeta

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Há 150 anos, o cenário que esta fotografia mostra não existia. Não havia lago Powell, a barragem que o criou não tinha sido imaginada e olhar para estas rochas punha as pessoas a pensar em coisas como “o que há no meio do desfiladeiro?” ou “quanto tempo demora atravessá-lo?”. Selvagem, o rio Colorado corria ao longo de 1500 quilómetros, por entre o Grand Canyon. Era território desconhecido, inóspito e perigoso. Em 1869, dez homens partiram em expedição para o explorar. Nunca “brancos” o tinham feito e talvez nem os índios. Saíram em quatro barcos de madeira com comida para dez meses. Não sabiam como, nem quando, a viagem iria acabar. Três meses depois, chegaram “ao outro lado”. Mas apenas cinco homens. Um desistiu ao fim do primeiro mês, outros ao terceiro, que acabaram mortos. O líder da expedição era um geólogo que sete anos antes perdera um braço na batalha de Shiloh, na qual morreram 35 mil homens em apenas dois dias — John Wesley Powell.

O relato dessa viagem tornou-se um clássico e está em 4.º lugar na lista dos 100 melhores livros de “aventuras radicais” da National Geographic (a viagem de Marco Polo à Ásia no século XIII está em 10.º e a de Shackleton à Antárctida no início do século XX em 15.º).

Hoje, o lago Powell — baptizado em homenagem ao herói que o quis conhecer — tem uma praia onde as pessoas passeiam e é visitado por dois milhões de turistas por ano, que acampam na areia ou dormem em hotéis que cobram 300 euros por noite. É o lado solar desta história. O lado sombrio diz-nos que, com a seca que atinge parte dos EUA, o lago se tornou um barómetro do impacto das alterações climáticas no mundo.

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Pessoas passeiam na praia do lago Powell, no Utah, que há poucos anos era o chão do rio Justin Sullivan/AFP

O lago Powell, a maior reserva de água dos EUA, está a 45% da sua capacidade. Em Setembro, espera-se que atinja o nível mais baixo de sempre — 327 metros acima do nível do mar. Há semanas que os fotógrafos das agências de notícias enviam imagens para as redacções. É daqui que sai a água para 40 milhões de pessoas dos sete estados à volta. É um problema real de agora, não de amanhã. Desde 1999 que a NASA regista a evolução do lago através de imagens tiradas por satélite (http://earthobservatory.nasa.gov/Features/WorldOfChange/lake_powell.php)A NASA antecipa que, mesmo num cenário de redução de emissões de dióxido de carbono, haverá menos 20% a 25% de chuva na Califórnia, Nevada e Arizona no fim do século. Esta semana, a Califórnia decretou pela primeira vez medidas obrigatórias de poupança de água. O governador fez o anúncio num relvado seco onde nesta altura deveria haver um metro de neve. Olhar para as rochas do Grand Canyon é olhar para a prova da mudança do planeta. Não é preciso ir à Antárctida. Há 20 anos, a pedra clara que se vê nesta fotografia estava coberta de água e a praia não existia. Hoje, o que Powell fez em três meses faz-se em 14 dias com a ajuda de agências turísticas que cobram 3500 euros. Ninguém pode fazê-lo mais do que uma vez por ano. Para proteger a natureza. Na NASA, regras como esta devem pôr as pessoas a sorrir. Incrédulas.

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