Anexação da Crimeia leva Kiev a proibir entrada de concorrente russa no festival da canção

Governo russo está "chocado". Serviços secretos ucranianos informaram que a cantora Iulia Samoilova “violou a lei ucraniana” por ter dado um concerto na península no Mar Negro.

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Iulia Samoilova venceu o concurso russo DR

As autoridades ucranianas proibiram a representante russa no festival da Eurovisão de entrar no país com o argumento de que a cantora realizou um concerto na Crimeia, território que fazia parte da Ucrânia e que foi anexado pela Rússia em 2014. O Governo russo diz estar “revoltado” com a decisão que considera “desumana e cínica”.

Os serviços secretos ucranianos (SBU) confirmaram que a cantora Iulia Samoilova “violou a lei ucraniana” por ter participado num concerto em 2015 na cidade de Kerch, na Crimeia, quando já era considerada ocupada. Como tal, Samoilova está proibida de entrar na Ucrânia “durante três anos”.

O Governo russo reagiu através de um responsável do Ministério dos Negócios Estrangeiros que disse estar “revoltado” com uma decisão que classificou de “desumana e cínica por parte das autoridades ucranianas”. Não se sabe se a Rússia irá escolher um novo participante, embora seja possível que a participação de Samoilova seja transmitida via satélite, lembra William Lee Adams, autor de um blogue dedicado à Eurovisão.

A Ucrânia tem vedado a entrada a várias pessoas por causa do conflito com a Rússia. Ainda esta semana, vários deputados de países como o Reino Unido, Sérvia e Brasil foram proibidos de entrar no território ucraniano por cinco anos, depois de terem participado em reuniões com dirigentes russos na Crimeia. O mesmo aconteceu à líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, por ter apoiado publicamente a anexação russa da península no Mar Negro, e também ao ex-líder soviético Mikhail Gorbatchov. No ano passado, Kiev aplicou sanções a 140 artistas russos por terem feito espectáculos na Crimeia, de acordo com a Rádio Europa Livre.

Confronto recorrente

Ano após ano, é comum falar-se da politização da Eurovisão, apesar dos constantes apelos dos organizadores para que a política seja deixada de fora do palco. Mas a edição deste ano promete ter uma carga ainda mais forte. Ao ter vencido o concurso do ano passado, a Ucrânia ganhou o direito de organizar o festival que todos os anos junta cantores de dezenas de países e quase de imediato se levantaram questões quanto a um possível boicote russo do festival. Em 2013, a Arménia recusou participar no concurso organizado pelo Azerbaijão, por causa da disputa territorial na região do Nagorno-Karabakh.

As últimas edições tinham já sido marcadas pelo conflito que envolve a Ucrânia e a Rússia – para além da anexação da Crimeia, Kiev acusa Moscovo de apoiar activamente as milícias separatistas que ocupam parte do país (a Leste) e combatem o exército numa guerra que já fez mais de dez mil mortos. No ano passado, a cantora ucraniana Jamala venceu a competição com uma música sobre o drama da minoria tártara da Crimeia que foi alvo de deportações pelo regime soviético nos anos 1940. Moscovo protestou por considerar que se tratava de uma música com teor político – algo que não é permitido pelo regulamento da Eurovisão. Em 2009, a Geórgia desistiu de participar depois de ver a sua música, que continha referências ao Presidente russo, Vladimir Putin, vetada pelos organizadores.

Em 2014, poucos meses depois da anexação da Crimeia e quando o conflito no Leste da Ucrânia estava ao rubro, o vídeo da música da participante ucraniana tinha um hamster a correr numa roda – uma alusão ao domínio exercido por Moscovo sobre o ex-Estado soviético.

Em Kiev, a escolha de Samoilova – que venceu um concurso nacional televisivo – foi encarada com desconfiança, uma vez que era conhecida a sua passagem pela Crimeia. Alguns dirigentes ucranianos consideraram tratar-se de uma “provocação” russa para forçar Kiev a impedir a entrada de uma concorrente com uma deficiência – Samoilova sofre de uma doença genética que a tornou paraplégica – especialmente num ano em que o lema escolhido é “Celebrar a diversidade”. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, negou tratar-se de qualquer provocação e que o Kremlin queria “evitar a politização da Eurovisão”. “Quase toda a gente esteve na Crimeia”, explicou.

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