Se a Uber não vai às favelas de São Paulo, os moradores criam a Ubra

A Ubra é uma alternativa de transporte à Uber, fundada por dois moradores do bairro de Brasilândia.

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As ruas estreitas, sem pavimento, não são convidativas para a empresa de Travis Kalanick Reuters/NACHO DOCE

Os moradores dos bairros da periferia de São Paulo criaram uma alternativa aos serviços de transporte que se recusam a entrar nos “morros”, como a Uber ou os taxis. A Ubra é uma empresa de carácter comunitário tem seis motoristas e já funciona há 20 dias.

Os moradores dos bairros da periferia de São Paulo, como a Brasilândia e as favelas de Paraisópolis e Heliópolis, as duas maiores da cidade, na zona sul, não têm serviço de Uber. Quando tentam pedir um motorista para estas zonas, a mensagem que aparece na aplicação é: “Infelizmente, a Uber não está disponível na sua área no momento”, a mensagem-padrão de regiões com “desafios de segurança pública”. As ruas estreitas, sem pavimento, também não são convidativas para a empresa de Travis Kalanick. 

A Ubra, ou “União da Brasilândia”, foi fundada por dois moradores: Emerson Lima, 40 anos e o motorista Alvimar da Silva, 48, criaram uma versão mais simples da startup norte-americana, adaptada às necessidades e especificidades dos bairros.

A comunicação é feita com o cliente através de um telemóvel com Whatsapp, um telefone fixo e um computador. O número é espalhado em panfletos, que são distribuídos em bares, escolas de samba e bailes funk. Quando os clientes ligam ou mandam mensagem, Emerson Lima, antigo tatuador, calcula a rota no Google Maps e faz as contas: cada quilómetro percorrido pela Ubra tem um custo de dois reais (cerca de 0,59 euros). O mesmo quilómetro, na Uber, teria o preço de 1,80 reais (cerca de 0,53 euros) aos quais acresce o pagamento da taxa municipal. Na mesma chamada, os clientes ficam a saber o preço e o tempo de espera. O pagamento pode ser feito com dinheiro, cartão de débito e crédito.

“A procura é muita, e estamos a perder corridas. A área tem uma carência muito grande de transportes, especialmente à noite”, explica Lima à BBC Brasil. Disseram ao mesmo meio de comunicação que já têm 40 clientes fiéis. A maior parte deles são pessoas que precisam de boleia para ir às compras ou a consultas médicas, mas também há muita gente que usa o serviço para voltar para casa durante a noite e a madrugada.

“É um trabalho social, não é só cobrar o [preço] que deu. Eu levo mulheres a prisões, transporto deficientes físicos e idosos para consultas. Muitas vezes, cobro menos. Algumas vezes, ainda fico à espera para levar o cliente de volta sem cobrar o tempo parado", conta Alvimar da Silva, co-fundador da Ubra e motorista, que trabalhou para a Uber antes, durante seis meses.

Apesar de ainda não ter sido legalizada, os fundadores mostram vontade de avançar com o processo. “Queremos legalizar o nosso serviço para trabalhar conforme a lei, pagar todos os impostos. Eu já tenho um advogado a ver toda essa papelada”, afirma Lima.

A própria câmara municipal soube recentemente do serviço prestado pela Ubra e informou que tem interesse em “aumentar o número de empresas que operam na cidade, sobretudo em locais onde o sistema viário ainda é pouco aproveitado pelo transporte individual de passageiros”, explicou um porta-voz à BBC. No entanto, até à legalização, não pode transportar passageiros, estando sujeito à “fiscalização e sanções cabíveis, que incluem apreensão dos veículos e multa”.

Os proprietários explicam que apesar de operarem em bairros mais pobres, só permitem “carros em óptimas condições e com ar condicionado”. "Além disso, os motoristas são todos de confiança. São só os nossos amigos do bairro”, diz Alvimar da Silva à BBC.  "Não é qualquer um que sabe andar no morro. Os nossos motoristas usam carro prateado para não chamar a atenção e andam com o vidro baixo. Em alguns pontos, são orientados a tirar o cinto de segurança, colocar o cotovelo para fora da janela e fazer cara de mau. Tudo o que a gente aprendeu na quebrada", explica Emerson Lima, referindo o código de conduta dos motoristas.

Os responsáveis da empresa explicam à BBC Brasil que não fazem questão de se expandir para outras áreas: "É cada um na sua área. Tenho a certeza que essa modalidade vai expandir. Posso até orientar, mas eu não me vou meter em lugares que eu não conheço", afirma o fundador da Ubra.

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