Turistas tornam-se alvo na Catalunha, com pano de fundo do independentismo

É um cocktail complexo que pode afectar uma actividade que representa 12% do PIB catalão, em antecipação do referendo marcado para 1 de Outubro mas considerado ilegal.

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Turistas fazem-se fotografar com Barcelona em fundo Albert Gea/REUTERS

Um autocarro de turistas e bicicletas de aluguer turístico foram atacadas em Barcelona por um grupo independentista catalão, Arran, que é identificado como organização juvenil da Candidatura de Unidade Popular (CUP), um partido de esquerda radical que apoia o governo autónomo da Catalunha e está a promover o referendo pela independência de 1 de Outubro, considerado anticonstitucional por Madrid e pela maioria das forças políticas.

A CUP não reconhece a Arran como a sua organização juvenil, mas também não a critica. E, em boa verdade, estas acções, no domingo e na segunda-feira, não foram as primeiras do grupo, que as divulgam nas redes sociais, para protestar contra a massificação do turismo. Mas a sua dimensão política, relacionada com o independentismo catalão, dá uma nova dimensão a estas acções. Os ataques começaram entre 1 e 5 de Maio, quando militantes desta organização entraram em sete hotéis e vandalizaram as recepções, partindo vidros.

A Junts pel Si [Juntos pelo Sim], a coligação que governa a Catalunha, congrega o Partido Democrata Europeu Catalão, herdeiro do nacionalismo desaparecido após os escândalos de corrupção da era de Jordi Pujol na Generalitat [Governo autónomo da Catalunha], e a Esquerra Republicana de Catalunya (ERC), associada à CUP. O cimento desta unidade entre a burguesia nacionalista e os republicanos de esquerda, que dirige o governo autónomo, é a independência da Catalunha da Espanha, no referendo de 1 de Outubro,

Antes destes últimos ataques ao sector turístico, a pretexto da denúncia da turistificação de Barcelona, a CUP já tinha forçado a saída nas últimas semanas de alguns consellers [ministros] do executivo catalão liderado por Carles Puigdemont.

Também nas Baleares e em Valência, territórios reivindicados pelos independentistas como parte dos Países Catalães, entidade que querem formar após a independência da Catalunha, incorporando as ilhas Baleares e a comunidade valenciana, decorreram acções contra interesses turísticos.

Em Palma de Maiorca, a 22 de Julho, jovens da Arran invadiram a esplanada de um restaurante fronteiro à catedral, incendiando very lights e enchendo de confetis de carnaval os pratos e copos de 70 clientes. Já em finais de Junho, em Valência, militantes da mesma organização ocuparam um andar na Ciutat Vella, bairro onde se concentra a grande maioria de apartamentos de aluguer para turistas.

A pretexto da luta contra o excesso de turismo, com a denúncia de prejuízos ambientais da sobreexploração turística nas Baleares ou a expulsão de habitantes das zonas históricas de Valência, a CUP provocou o sobressalto, em plena época turística. Afectando um dos mais importantes sectores económicos da Catalunha.

Segundo dados oficiais da Generalitat, o turismo representa cerca de 12% do PIB catalão. Barcelona é o principal destino; em 2016, esta cidade com um pouco mais de 1,5 milhões de habitantes, recebeu quase seis milhões de turistas. Aliás, até Junho, a Catalunha registou o terceiro maior aumento da entrada de turistas em Espanha, mais 10,3%, depois das comunidades de Madrid e de Valência.

A repercussão destas acções na imprensa britânica – nos primeiros seis meses de 2017, dos 36,3 milhões de turistas entrados em Espanha, 8,5 milhões eram oriundos do Reino Unido – foi devastadora. Os hoteleiros catalães, que vivem da excelência do sol e mar da Costa Brava, estão apreensivos com a contaminação da sua actividade pela influência da luta política pelo independentismo. O jornal The Independent colocou Bacelona na lista dos oito destinos em que os turistas são mais odioados.

O ministro do Turismo espanhol, Álvaro Nadal, tentou aliviar receios, dizendo que se trata “não de um fenómeno social, mas político. A presidente da câmara de Barcelona, Ada Colau, é acusada pela oposição de alimentar o sentimento turismofóbico.

Embora em Barcelona a câmara tenha proibido a construção de hotéis no centro da cidade e esteja atenta a excessos da pressão turística, que se traduziu na mudança de população local dos bairros históricos pela transformação das suas residências em mais rentáveis alojamentos locais, a questão não se joga apenas no tabuleiro urbanístico.

As acções de Arran são parte de uma radicalização crescente do discurso independentista. A próxima estação deste percurso é a Diada, a 11 de Setembro, o dia da Catalunha, que comemora a defesa da cidade em 1714 aquando da guerra de sucessão espanhola. É um terreno em que o simbólico – a independência – se mistura com a denúncia da pressão turística, no ano em que o turismo em Espanha bate todos os recordes: são esperados 84 milhões de visitantes. Um cocktail complexo que tem na sua base uma peculiar ideia de nacionalismo.

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