Trump dispara três tweets e os transgénero ficam impedidos de serem militares

Presidente dos Estados Unidos trava uma ordem de Barack Obama que era vista como o fim do último resquício de discriminação nas forças armadas.

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Durante a campanha, Donald Trump agradeceu o apoio da comunidade LGBT Darrin Zammit Lupi/Reuters

Entalado entre os danos para a sua imagem por causa das investigações sobre a Rússia e o fracasso em curso que tem sido a promessa de derrubar o Obamacare rapidamente e em força, o Presidente dos Estados Unidos disparou esta quarta-feira três tweets tão repentinos quanto inesperados sobre um assunto que quase ninguém estava a discutir na sociedade americana: a partir de agora, as pessoas transgénero ficam proibidas de se candidatar ou permanecer nas forças armadas do país.

O anúncio de Donald Trump vem reverter uma directiva do ex-Presidente Barack Obama, que no ano passado instruiu os três ramos das forças armadas a acolherem pessoas que não se identifiquem com o género que lhes foi atribuído à nascença – antes disso, essas pessoas tinham de manter a sua identidade de género em segredo, sob pena de ou não serem aceites, ou serem afastadas do serviço.

Por causa dessa proibição, não é possível saber ao certo quantas pessoas transgénero integram a Marinha, o Exército e a Força Aérea dos Estados Unidos – e, pela mesma razão, ninguém sabe qual é a percentagem de militares em unidades de combate. De acordo com um estudo feito no ano passado pelo think tank RAND Corporation para o Pentágono, estima-se que nos três ramos das forças armadas haja entre 2500 e 7000 pessoas transgénero no activo e entre 1500 e 6000 na reserva. Ao todo, as forças armadas dos Estados Unidos têm 1,3 milhões de pessoas no activo.

A proibição da entrada de pessoas transgénero na vida militar era o último resquício da discriminação legislativa em relação à comunidade LGBT – a partir de 2011, com o fim da política Don’t Ask, Don’t Tell (Não perguntar, não dizer), instituída em 1993 pelo então Presidente Bill Clinton, gays, lésbicas e bissexuais puderam ingressar em qualquer ramo das forças armadas assumindo publicamente a sua orientação sexuail.

Nos anos seguintes – e, principalmente, no segundo e último mandato do Presidente Barack Obama –, a estrutura militar norte-americana passou a receber pessoas de todas as orientações sexuais e abriu todas as áreas de combate às mulheres. Finalmente, no Verão do ano passado, a liderança militar e o Presidente Obama anunciaram que também as pessoas transgénero teriam de ser recebidas sem qualquer discriminação – essa decisão, anunciada em Junho do ano passado, dava um ano às forças armadas para se adaptarem à nova realidade, mas acabava de imediato com a discriminação.

Mas esse passo dado pela Administração Obama foi travado esta quarta-feira pela Administração Trump, sem que se conheçam ainda os motivos que levaram à mudança, já que não são conhecidos novos estudos que ponham em causa os que foram encomendados pelo Pentágono no ano passado. Até agora, o que se sabe é que o Presidente tomou a decisão depois de ter consultado os seus "generais e especialistas em assuntos militares".

"Faço saber que o Governo dos Estados Unidos não vai aceitar nem permitir que indivíduos transgénero sirvam em qualquer função nas Forças Armadas norte-americanas. Os nossos militares têm de se concentrar na vitória decisiva e esmagadora, e não podem ser sobrecarregados com enormes custos médicos e com a ruptura que iria implicar a entrada de transgénero nas forças armadas", disse Donald Trump.

No ano passado, o estudo da RAND Corporation encomendado pelo Pentágono indicava que os custos financeiros da autorização de pessoas transgénero na vida militar só iria reflectir-se nos poucos que já estão nas forças armadas (com possíveis tratamentos a pedido de alguns deles, autorizados após um processo com acompanhamento médico) – quanto aos candidatos, só seriam integrados 18 meses depois de terem feito a transição de género, nos poucos casos em que isso acontece. No total, de acordo com o estudo da RAND, os custos médicos iriam subir entre três e quatro milhões de dólares por ano – num orçamento total de seis mil milhões de dólares só para cuidados de saúde para todos os militares.

Já este ano, em Junho (quando chegou ao fim o período de 12 meses para a integração total), o actual secretário da Defesa, James Mattis, anunciou que os líderes militares precisavam de mais seis meses para prepararem a entrada de pessoas transgénero, e indicou o que estava em causa nesse adiamento: "Vamos usar este período adicional para avaliar com mais cuidado o impacto [da entrada de pessoas transgénero] na prontidão e na letalidade."

Apesar desse anúncio, o general Mattis frisou que o adiamento não deveria ser interpretado como um sinal do desfecho do processo, pelo que os tweets do Presidente Trump, esta quarta-feira, cinco meses antes do prazo final, apanharam quase toda a gente de surpresa.

Candidato Trump apoiou LGBT

Para além de não ser um tema que esteja a marcar a agenda política no país, há poucas semanas 24 membros do Partido Republicano na Câmara dos Representantes ajudaram os seus adversários do Partido Democrata a derrotarem uma proposta para impedir que as forças armadas pagassem os cuidados médicos específicos da comunidade transgénero. A urgência do assunto é defendida por um grupo de congressistas mais ligados à direita ultraconservadora, como Vicky Hartzler, mas que tem fortes aliados como o procurador-geral, Jeff Sessions, e o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence.

O próprio Donald Trump disse várias vezes, durante a campanha eleitoral do ano passado, que iria defender os direitos da comunidade LGBT mais do que a candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton, e as suas ideias sempre foram vistas como mais liberais do que é comum no Partido Republicano.

Quando ainda era candidato à Presidência, em Abril do ano passado, Donald Trump disse numa entrevista ao programa Today, da NBC, que as pessoas transgénero deveriam poder usar a casa de banho em que se sentissem mais confortáveis, num corte com a ala mais conservadora do seu partido, que lutava contra uma directiva do Presidente Obama nesse sentido.

Já este ano, em Fevereiro – dias depois de ter chegado à Casa Branca – anulou a directiva do seu antecessor que autorizava os alunos transgénero a usar as casas de banho da sua preferência nas escolas públicas.

Como seria de esperar, a decisão de Trump está a ser criticada por membros do Partido Democrata, pela voz do presidente da comissão nacional do partido, Tom Perez. A reacção ao anúncio de Trump surgiu igualmente no Twitter. "Aos membros da comunidade transgénero: vocês não são um 'fardo'. Não deixem que este Presidente vos abale. Nós apoiamo-vos, estamos convosco", lê-se no tweet partilhado por Perez, que numa segunda mensagem agradece ao Exército norte-americano pelo serviço prestado ao país.

Mas do lado do Partido Republicano a decisão também não é consensual. A congressista norte-americana Ileana Ros-Lehtinen condenou o Presidente e sublinhou: "A nenhum americano, qualquer que seja a sua orientação sexual ou género com que se identifica, deverá ser vedada a honra e o privilégio que é servir a nossa nação."

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