A vitória de Trump inspira os populistas europeus

No ano que vem, a extrema-direita europeia espera beneficiar do facto de na Casa Branca estar um Presidente ideologicamente próximo.

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Marine e Le Pen e Geert Wilders, dois líderes populistas que esperam beneficiar com a vitória de Trump JOSEP LAGO/AFP

A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos foi saudada pelos líderes dos partidos populistas de extrema-direita europeus como a vanguarda de um movimento de libertação dos povos. “O que aconteceu ontem à noite não foi o fim do mundo, foi o fim de um mundo. Parabéns ao povo livre americano”, declarou, entusiástica, Marine Le Pen, que ameaça ser a vencedora da primeira volta das eleições presidenciais francesas de Abril de 2017.

Trump conquistou a Casa Branca com um discurso anti-imigração, prometendo construir “um grande e belo muro” na fronteira com o México. A sua maior promessa é encerrar os Estados Unidos na sua concha, voltar a um passado idílico: tornar “a América grande outra vez”, num momento não especificado. Nada disto é particularmente original, se comparado com o discurso dos novos partidos de extrema-direita europeus, nacionalistas e eurocépticos, que nos últimos anos se têm articulado entre si, e mantido contactos com movimentos congéneres nos EUA.

Na convenção republicana, em Cleveland (Ohio), em Julho, destacaram-se dois convidados europeus. Um deles foi o holandês Geert Wilders, que as sondagens dizem estar empatado com o partido do primeiro-ministro Mark Rutte, nas eleições de Março de 2017, e que esta quarta-feira saudou a eleição de Trump como “uma Primavera patriótica” no Ocidente. Wilders adaptou a frase de campanha de Trump: "Make Netherlands great again". Outro foi o britânico Nigel Farage, líder do Partido para a Independência do Reino Unido (UKIP), um dos artesãos do referendo do “Brexit”, retribuindo a visita que Trump fez ao Reino Unido na altura da consulta britânica sobre a permanência na União Europeia.

Trump não costuma falar sobre as suas relações com a extrema-direita europeia, mas tanto o seu programa como o tipo de eleitores que cortejou são semelhantes aos que Marine Le Pen e a Frente Nacional (FN) perseguem há anos em França.

Os sindicatos franceses sabem bem que a Frente Nacional, um partido de extrema-direita, rouba eleitores entre os operários, com um discurso proteccionista em que mistura o nacionalismo económico com políticas de defesa dos trabalhadores. Marine Le Pen explorou ao máximo este filão para conquistar novos territórios eleitorais no Norte de França, zona deprimida devido à desactivação das minas de carvão e da deslocalização das fábricas para outros países – efeitos da globalização, tão demonizada em França.

Os eleitores de Marine Le Pen, em França, que se deixam encantar pelas promessas de saída do euro e de encerramento das portas aos imigrantes, não são muito diferentes dos que elegeram Donald Trump, que teve melhores resultados entre eleitores brancos (em especial homens), sem formação superior, que vivem em zonas rurais ou semi-rurais.

A vitória de Trump com este eleitorado é, para Le Pen, um bom augúrio para as presidenciais que terão a primeira volta a 23 de Abril de 2017, e para as quais é dada como vencedora na primeira volta. À esquerda,  o Partido Socialista está dividido e sem um bom candidato - François Hollande transforma-se cada vez mais num Presidente recordista de impopularidade. Para a segunda volta, no entanto, a aposta é que o candidato de centro-direita conseguirá batê-la.

Um ano infernal

As eleições americanas dão o tiro de partida para um ano eleitoral na Europa que se pode transformar numa bola de neve imparável de populismos a chegar ao poder.

A 4 de Dezembro, a Áustria repete as eleições presidenciais, com a possibilidade de Norbert Hofer, do Partido da Liberdade, conseguir desta vez a vitória que lhe escapou por pouco da primeira. E, no mesmo dia, realiza-se em Itália o referendo sobre as alterações à Constituição visando mudar o sistema político. Tanto o partido de extrema-direita Liga Norte como o Movimento 5 Estrelas apelaram aos eleitores para chumbarem essas alterações, o que a acontecer põe em causa a continuação do Governo de centro-esquerda de Matteo Renzi.

A 15 de Março é a vez de a Holanda votar. Geert Wilders, que tem um discurso xenófobo e anti-imigração, dificilmente fará parte de uma coligação governamental, mas pode influenciar a formação do executivo, ou deixar passar um governo no Parlamento a troco de políticas que sejam do seu interesse.

Um mês depois, é a vez de França votar – e é lá que todas as atenções vão convergir.

No fim do Verão, a 27 de Agosto, a Alemanha vai escolher um novo Parlamento e ainda não é certo que Angela Merkel se recandidate ao posto de chanceler. O que se teme é que o partido anti-imigração e de extrema-direita Alternativa para a Alemanha eleja deputados e, a julgar pela prestação que tem tido nas eleições regionais, pode ter resultados bastante bons, à boleia da reacção às dificuldades de integração de perto de um milhão de refugiados que a Alemanha recebeu só em 2015.

Estes são os cenários de instabilidade que se antevêem para a Europa. Na Casa Branca, estará um Presidente que não mostra ter os braços abertos aos aliados do Velho Continente — embora cá tenha amigos pouco convencionais. Ainda assim, em Bruxelas o presidente do Conselho Europeu, outro Donald (Tusk) já convidou Trump para participar num conselho especial sobre as relações transatlânticas, “logo que for conveniente.”

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