Mega Trumpnado arrasa nas primárias mas também pode arrasar o Partido Republicano

Magnata fica sozinho na corrida e vai mesmo ser o candidato do partido nas eleições gerais. Populismo e sondagens desfavoráveis contra Hillary Clinton e Bernie Sanders mantêm os mais conservadores em estado de pânico.

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O magnata venceu no Indiana com 53,3% dos votos Spencer Platt/AFP
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Donald Trump ficou sozinho na corrida Spencer Platt/AFP
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Ted Cruz saiu da corrida Joe Raedle/AFP
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John Kasich YURI GRIPAS/AFP
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O momento em que a saída de Cruz foi anunciada Spencer Platt/AFP

No Verão do ano passado, o anúncio da aventura de Donald Trump no mundo da política foi tratado como a continuação do seu reality show O Aprendiz, e o jornal Huffington Post chegou a pôr as notícias da candidatura do magnata na secção de Entretenimento, ao lado das proezas da família Kardashian.

Esta semana, menos de dez meses depois, e já na última fase de uma campanha que até nas noites mais tranquilas se vestiu com peças de um populismo nacionalista, Trump voltou a trucidar os adversários numa votação, desta vez no estado do Indiana, e vingou-se de quem desprezou as suas ambições políticas: enquanto Kim Kardashian continua a passear-se pelos sites de entretenimento e pelo Instagram, Donald Trump vai ser o candidato do Partido Republicano à presidência dos Estados Unidos da América.

A reviravolta do magnata nas sondagens em menos de um ano é o equivalente na política norte-americana ao sucesso de um daqueles filmes de série B do canal Syfy, em que os pormenores do guião interessam pouco e o mundo é arrasado por uma combinação de criaturas medonhas e violentos fenómenos naturais – de Dinoshark a Piranhaconda; de Dinocroc vs Supergator a Sharknado.

O domínio do magnata nova-iorquino nas primárias tem sido tão evidente que o Partido Republicano foi apanhado no meio de um gigantesco Trumpnado – um fenómeno tão imprevisível, e tão forte, que fazer apostas para as eleições gerais, em Novembro, tornou-se numa jogada de alto risco.

E a vitória de Trump no Indiana com 53,3% dos votos foi um tornado forte de mais para os dois adversários que ainda se mantinham de pé.

Pouco depois do anúncio dos resultados, o senador do Texas, Ted Cruz, afastou-se da corrida e deixou o Partido Republicano reduzido a um candidato e meio: o mais do que favorito Trump e o governador do Ohio, o conservador moderado John Kasich, que insistiu em manter-se vivo politicamente apesar da proeza de ter menos delegados do que Marco Rubio, que suspendeu a campanha em meados de Março (nas primárias nos EUA, os candidatos costumam suspender as suas campanhas, e não anunciar a desistência, porque dessa forma podem manter os delegados conquistados e continuar a angariar fundos, nem que seja para pagar dívidas de campanha).

Mas a força não estava definitivamente com Kasich – apenas três horas depois de ter partilhado um vídeo a imitar a abertura da saga Guerra das Estrelas, onde se assumia como o salvador da pátria e pintava um cenário negro para os EUA depois de uma vitória de Hillary Clinton contra Donald Trump, a campanha de Kasich anunciou a saída de cena do candidato, deixando caminho livre para o magnata.

Fracasso do #NeverTrump

Apesar de vários grupos nascidos no interior do Partido Republicano terem tentado impedir que Donald Trump garantisse a nomeação durante a fase das eleições primárias – por verem nele um candidato imprevisível e distante dos ideais conservadores tradicionais –, a verdade é que esse filme chegou ao fim. E os créditos finais foram partilhados no Twitter pelo próprio presidente do Partido Republicano, Rince Priebus: "@realDonaldTrump será o presumível nomeado do @GOP, temos de nos unir e focar no objectivo de derrotar @HillaryClinton", escreveu o responsável, terminando a mensagem com a palavra de ordem #NeverClinton (Clinton nunca).

Mas o toque a reunir do líder do partido não foi suficiente para convencer todos os eleitores do Partido Republicano, e é esse facto que põe um enorme ponto de interrogação na probabilidade de Donald Trump vir a derrotar o nome escolhido pelo Partido Democrata, seja a favorita Hillary Clinton, seja o surpreendente Bernie Sanders.

Olhando para as sondagens, o magnata do imobiliário vai iniciar a campanha para as eleições gerais, em Julho, como o nomeado menos popular de que há memória nos EUA – mais de 60% dos inquiridos têm uma opinião desfavorável em relação a Trump, um valor que sobe para 70% entre as mulheres, que compõem a maior fatia do eleitorado norte-americano.

Se a estes valores juntarmos a quantidade de declarações e propostas de Trump vistas por uma grande parte do eleitorado como intolerantes, xenófobas e mesmo racistas e as sondagens favoráveis a Clinton e a Sanders nos possíveis duelos em Novembro, a liderança do Partido Republicano está em estado de pânico.

Apesar da mensagem de apoio de Rince Priebus, muitas personalidades do Partido Republicano já afirmaram que vão continuar a fazer tudo o que está ao seu alcance para travarem a vitória do magnata. Incluindo cometer a maior heresia para um Republicano – votar em Hilalry Clinton nas eleições gerais.

Um deles é Mark Salter, um dos mais próximos colaboradores do senador John McCain, que foi o candidato do Partido Republicano derrotado por Barack Obama em 2008.

Numa mensagem que lhe valeu alguns apoios e incontáveis ameaças, o homem que escreveu discursos e livros em colaboração com McCain ao longo dos últimos 20 anos largou uma bomba no Twitter, logo após a vitória de Trump no Indiana: "O Partido Republicano vai nomear para Presidente um tipo que lê o National Enquirer e acha que é honesto", escreveu Salter, numa referência a uma notícia em que o tablóide ligou o pai do senador Ted Cruz ao homem que assassinou John F. Kennedy.

Mas foi a forma como o amigo e colaborador de John McCain terminou a sua mensagem no Twitter que deixou antever a continuação da ruptura no Partido Republicano até às eleições gerais, apesar dos apelos à união: "I'm with her" ("Estou com ela", uma das mensagens de apoio da campanha de Hillary Clinton).

Com 1007 delegados conquistados, já sozinho na corrida e com apenas 142 em jogo até ao fim do mês, Trump tem de esperar por 7 de Junho – dia em que a Califórnia vai distribuir os seus 172 delegados – para somar os 1237 necessários e confirmar uma nomeação sem contestação possível.

Mas, apesar das sondagens desfavoráveis contra Clinton e Sanders, e da contestação no interior do próprio Partido Republicano, manda a prudência que os adversários de Donald Trump não lancem foguetes antes da festa. Atirar novamente o magnata para as páginas do Entretenimento seria desprezar um candidato que partiu como uma anedota e chegou ao fim carregado em ombros pela maioria dos eleitores do Partido Republicano, tendo deixado pelo caminho 16 adversários, entre os quais cinco senadores e nove governadores – um deles chamado Jeb Bush. Lembram-se?

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