Tribunal responsabiliza Holanda por 300 mortes no massacre de Srebrenica na guerra da Bósnia

Decisão é considerada um marco importante, mas os familiares das vítimas e os sobreviventes exigiam a responsabilização do Estado holandês pelas mais de 8000 mortes.

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Milhares de pessoas marcaram o 19.º aniversário do massacre, cumprido na semana passada Dado Ruvic/Reuters

O Estado holandês voltou a ser considerado parcialmente responsável pelo maior massacre na Europa desde a II Guerra Mundial, quando mais de 8000 muçulmanos bósnios foram executados pelas forças sérvias da Bósnia na região de Srebrenica, em Julho de 1995.

Numa decisão que poderá alterar o quadro de futuras intervenções militares no âmbito das Nações Unidas, um tribunal de Haia deu razão aos familiares das vítimas e sobreviventes do massacre em relação à morte de três centenas de muçulmanos bósnios. Esta decisão – anunciada cinco dias depois do 19.º aniversário do massacre – segue-se à condenação do Estado holandês num outro caso respeitante a apenas três das vítimas.

Ao anunciar a decisão do tribunal, a juíza Larissa Elwin disse que cerca de 300 pessoas poderiam ter escapado ao massacre se os capacetes azuis holandeses as tivessem protegido na sua base, localizada em Potocari, a seis quilómetros da cidade de Srebrenica.

"No dia 13 de Julho [de 1995], o Dutchbat não deveria ter permitido que as pessoas saíssem das suas instalações", afirmou a juíza.

O batalhão holandês Dutchbat tinha como missão proteger o enclave muçulmano, declarado pela ONU uma "área segura" em 1993, tornando-se num refúgio para milhares de bósnios muçulmanos. Mas os militares holandeses perderam o controlo da região para as tropas comandadas pelo general Ratko Mladic em Julho de 1995, após dois anos de cerco. Nos dias que se seguiram, milhares de muçulmanos bósnios tentaram escapar às forças sérvias da Bósnia, e muitos deles dirigiram-se para a base holandesa.

Pelo menos 300 pessoas que conseguiram entrar na base de Potocari foram mais tarde entregues pelos holandeses ao Exército da República Sprska, liderado por Ratko Mladic, que está a ser julgado por crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio.

O que está em causa é o comportamento do batalhão holandês durante o cerco a Srebrenica – mal preparados, estacionados numa base descrita como uma "ratoeira" e sem qualquer tipo de apoio por parte de outras forças das Nações Unidas, os capacetes azuis holandeses acabaram por aceitar todas as exigências dos sérvios bósnios, contribuindo assim para a consumação do maior massacre na Europa desde a II Guerra Mundial.

Apesar de todas as dificuldades, as tropas holandesas tinham a obrigação de proteger a população civil de Srebrenica, depois de a região ter sido considerada segura pelas Nações Unidas – os casos que foram levados a tribunal acusam precisamente os capacetes azuis holandeses de não terem cumprido essa obrigação.

A decisão anunciada nesta quarta-feira pode ser interpretada como uma vitória para os familiares das vítimas e sobreviventes, mas fica muito aquém do que tem sido exigido ao longo das duas últimas décadas – a atribuição de responsabilidades ao Estado holandês em todas as mais de 8000 mortes.

"Os holandeses são responsáveis por cada uma das vítimas. Têm de responder por todas as mortes da mesma forma, sem haver uma separação entre as vítimas. Isso não pode ser tolerado", disse ao Balkan Insight Munira Subasic, que perdeu o marido e um dos filhos no massacre de Srebrenica.

"Eles disseram que estávamos em segurança, que nada iria acontecer enquanto ficássemos lá na base holandesa. Por isso, são cúmplices de tudo o que aconteceu", acusou.

Mas não foi essa a interpretação do tribunal de Haia, que atribuiu responsabilidades ao Estado holandês pela morte de apenas três centenas de vítimas – as que conseguiram entrar na base de Potocari e que foram depois entregues ao exército de Ratko Mladic e Radovan Karadzic.

Um dos advogados dos familiares das vítimas e dos sobreviventes, Marco Gerritsen, já esperava esta decisão do tribunal, mas defende que o Estado holandês deveria ser responsabilizado por todas as mortes.

"Temos provas de que os soldados holandeses viram execuções e assistiram à separação de homens e mulheres, pelo que terão concluído que estava prestes a ser cometido um crime", disse Gerritsen ao Balkan Insight.

Confrontado com a defesa das autoridades holandeses – que disseram que não podiam fazer nada para salvar as pessoas que foram mortas fora da base de Potocari –, o advogado defende que, pelo menos, poderiam ter informado as Nações Unidas sobre o que estava a acontecer.

"As execuções só começaram vários dias depois de 11 de Julho, por isso, se tivessem reportado a situação, talvez tivesse havido a possibilidade de a comunidade internacional agir", disse Marco Gerritsen.

Para além do pagamento de indemnizações aos familiares das vítimas e aos sobreviventes, o objectivo das acções judiciais contra o Estado holandês é provocar alterações na forma como as forças da ONU desempenham as suas missões. "Espero, e estou convencido, de que esta é a melhor forma de fazer mudanças, e de encontrar os responsáveis para impedir que algo como isto volte a acontecer", concluiu o advogado.

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