Três gerações em Debaltseve

Foto

Nas guerras, as fotos fazem sempre lembrar outras fotos que vimos centenas de vezes. A destruição de cidades, os mortos e também os vivos — o êxodo dos sobreviventes. Esta imagem foi colhida em Debaltseve, Leste da Ucrânia, durante uma breve trégua. Três gerações nela se juntam — neta, mãe e avó. Sabem do que fogem mas talvez não para onde fugir. E, como muitos ucranianos, talvez não saibam sequer por que estão a sofrer uma guerra.

Ucrânia quer dizer fronteira. Fronteira entre impérios, entre Leste e Oeste, a Ucrânia foi muitas vezes o terreno de batalha entre esses impérios. Fez durante séculos parte da Rússia (outra parte estava no Império Austro-húngaro); depois da União Soviética; tornou-se independente em Dezembro de 1991. Passou a ser um “estado-tampão” entre a Rússia — a cuja hegemonia se resignava — e o bloco ocidental.

Os ucranianos tinham um sonho de compromisso: estar “dentro da Europa” e “muito perto da Rússia”. Durou até à “revolução laranja” de 2004-5, em que Kiev começou a ser um teatro de “guerra indirecta” entre a Rússia e a aliança ocidental.

Quando a “euro-revolução” de Kiev culminou em Fevereiro de 2014 na demissão do Presidente (pró-russo) Viktor Ianukovitch, a guerra tornou-se “quente”. Moscovo conquistou a Crimeia e armou uma rebelião no Leste russófono. Não é este o lugar para falar das misérias da política ucraniana, dos erros de cálculo das potências ou na dificuldade de uma solução negociada. Basta dizer: não é uma guerra civil entre russófilos e ocidentalistas. Mas as guerras tendem a ganhar uma dinâmica própria e a fabricar verdadeiros inimigos.

Para os muitos velhos, há ainda um peso de fatalidade histórica. A II Guerra Mundial matou milhões de ucranianos e os velhos lembram-se dessa era terrível. A História torna-se absurda.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a guerra do Leste da Ucrânia já fez mais de 5 mil mortos, 12 mil feridos e 1,2 milhões de deslocados, dos quais 600 mil abandonaram o país — sendo russófonos na grande maioria, foram para a Rússia. Perto de 600 mil instalaram-se noutras regiões do país. O número dos mortos é contestado. Na sua edição dominical, o Frankfürter Allgemeine Zeitung afirma que esses números não são credíveis: “Os serviços especiais alemães avaliam em 50 mil o número de mortos entre civis e militares ucranianos.” Talvez seja exagerado.

A diplomacia é fria. Na Ucrânia, não estão apenas em jogo interesses geopolíticos, mas o destino ou a tragédia de milhões de pessoas: aquelas três mulheres, as pessoas que morrem, fogem ou a quem resta um mundo de ruínas.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários