Também os partidos são mortais

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A imagem induz um sentido de normalidade. Mas é só uma imagem. A Assembleia Nacional francesa renovou, na terça-feira, o voto de confiança no segundo Governo de Manuel Valls: 269 votos a favor,  244 contra e 53 abstenções. Tudo bem? Não. No fim de Agosto, o Presidente François Hollande resolveu afastar dois ministros que criticavam publicamente a política do Governo e encarregou Valls de formar um novo gabinete “homogéneo”. Em termos de contabilidade, a base de apoio do executivo emagreceu. No dia 8 de Abril, o primeiro Governo Valls obteve 306 votos favoráveis. A diferença deve-se aos “rebeldes” socialistas que contestam a política governamental. Em Abril abstiveram-se 11, em Setembro 32. 

A contabilidade é o menos. Grave é a deslegitimação de Hollande junto da opinião pública, grave é o risco de bloqueio do Governo perante a oposição da esquerda socialista. Está em causa a própria sobrevivência da esquerda — e a do Partido Socialista. Multiplicam-se os artigos de jornalistas políticos sobre o tema. Três títulos servem de exemplo. “O suicídio da esquerda”, de Alain Duhamel, no Libération. “O Partido Socialista perdeu a cultura do poder”, de Eric Le Boucher, no Slate.fr. “Como evitar a morte da esquerda?”, de Nicolas Truong, no Le Monde. 

Lembre-se que o próprio Manuel Valls lançou o alerta, em Junho, perante o conselho nacional do PS: “Sim, a esquerda pode morrer. Sentimos que chegámos ao fim de qualquer coisa, talvez mesmo ao fim de um ciclo histórico do nosso partido.”

Por um lado, acentua-se “decomposição suicidária” da esquerda. “Em lugar de uma legítima competição esquerda, direita e centro, há um evidente risco de se passar a um brutal confronto entre direita e extrema-direita, com uma direita muito mais dilacerada que em 2012 e uma extrema-direita muito mais poderosa”, diagnosticou Duhamel. 

Por outro, as “duas esquerdas” não se entendem, entre a vocação de assumir a responsabilidade de governar e o impulso de ser oposição. “O debate interno no PS é assassino”, frisa Le Boucher. “O Partido Socialista perdeu a cultura do poder.” Hollande procura retomar o trilho de Mitterrand, mas a esquerda do seu partido “força-o a marchar num sentido oposto, o da destruição da credibilidade do socialismo francês.”

Esta semana evocou-se muito a condição dos mortais. No El País, Lluis Bassets falou das lições da Escócia. “Todas as nações são mortais, como os sonhos. A Europa, quando quis ser forte, sonhava com a sua unidade, agora quando se retrai e perde o pé sonha com as suas velhas e novas nações.” Não apenas os humanos são mortais. “Também o são as nações e as civilizações” — tal como as ideologias, os partidos e todas as velhas certezas, acrescento. 

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