Primeiro-ministro da Islândia demite-se

Ministro da Agricultura será o novo chefe do Governo. Ainda não está afastado cenário de eleições antecipadas.

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A manifestações de segunda-feira em frente ao Parlamento para exigir a saída de Gunnlaugsson Stigtryggur Johannsson/Reuters

O primeiro-ministro Sigmundur Gunnlaugsson apresentou a sua demissão e tornou-se a primeira baixa política do escândalo Panama Papers. Gunnlaugsson não resistiu à pressão da rua: cerca de vinte mil pessoas exigiram na véspera que se demitisse, devido à sua ligação a uma empresa offshore, através da qual ocultou milhões de euros.

Foi o ministro da Agricultura e Pescas, Sigurður Ingi Jóhannsson, quem comunicou ao canal público RUV a saída de Gunnlaugsson e a sua própria entrada para a chefia do Governo. Para se tornar oficial, a decisão terá ainda de ser aprovada pelo Partido da Independência, o parceiro da coligação de centro-direita, e pelo Presidente Olafur Ragnar Grimsson, explica o Guardian, citando os media locais. 

A resposta do chefe de Estado é ainda uma incógnita – sabe-se que Grimsson esteve em conversações com Bjarni Benediktsson, líder do Partido da Independência e actual ministro das Finanças. E não está totalmente afastado o cenário de eleições antecipadas na ilha.

O jornal Financial Times escreveu que “foi um dia de grande drama em Reiquejavique”. Horas antes, Gunnlaugsson tinha pedido ao Presidente que dissolvesse o Parlamento. Mas Grimsson recusou fazê-lo, afirmando que queria ouvir primeiro os principais partidos.

Benediktsson não tinha deixado claro o seu apoio ao primeiro-ministro. Comentou que as revelações trazidas pelos Panama Papers foram um “forte revés” para o Governo (ele próprio aparece referido como dono de um terço da Falson & Co, uma empresa com sede nas Seychelles). E Gunnlaugsson entendeu que não lhe restava outra hipótese senão tentar antecipar as eleições – o que seria uma jogada de alto risco político, já que a vitória do seu partido estaria muito longe de assegurada. Face à recusa do Presidente, a situação precipitou-se.

A coligação que resultou das legislativas de 2013 controla 38 dos 63 assentos parlamentares, o que lhe permitiria chumbar a moção de censura que a oposição agendara para o final da semana. Mas não conseguiria conter o protesto de milhares de islandeses – 20 mil, segundo vários jornais – que pegaram em tambores, tachos, apitos e bananas para enviar uma mensagem bem clara ao chefe do Governo: a Islândia não pode ser uma república das bananas. Para um país de 330 mil habitantes, o protesto foi muitíssimo expressivo.

O escândalo fez ecoar a hecatombe financeira de 2008 – o culminar de anos de euforia do sector financeiro, que usou e abusou de empresas-fantasma, e que resultou na entrada no país do Fundo Monetário Internacional, na subida brutal do desemprego e numa queda de 10% do PIB.

“O nosso primeiro-ministro a esconder bens em contas offshore…”, comentou ao The Guardian Arntho Haldersson, consultor financeiro, presente no protesto. “Depois de tudo o que este país passou, como é que ele poderá querer liderar a recuperação da Islândia depois da crise? Ele tem de sair”.

O caso já estava a ser falado na Islândia, mas as informações trazidas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação – que divulgou no domingo ter tido acesso a 11,5 milhões de documentos da firma de advogados Mossack Fonseca, com sede no Panamá – fizeram aumentar a pressão sobre Gunnlaugsson.

Vários documentos provam a sua relação com a empresa offshore  Wintris, com sede em Tortola, nas Ilhas Virgens Britânicas. A empresa é agora detida pela sua mulher, Anna Sigurlaug Pálsdóttir, mas chegou a estar também em seu nome nos dois anos seguintes a ter sido criada, em 2007. Em 2009, Gunnlaugsson, já deputado, vendeu a sua parte à mulher por um dólar (e nunca revelou a sua participação na Wintris no registo de interesses do Parlamento, adianta o jornal Guardian, que teve acesso aos documentos).

Ainda que não esteja provada uma evasão fiscal, os críticos apontam para um claro conflito de interesses. A Wintris é um dos credores do Arion Bank (Kaupthing Bank, antes de ser nacionalizado) e do Landsbanki (também nacionalizado depois da crise). E está em curso uma negociação entre o Governo e os três bancos que ruíram durante a crise de 2008, para o levantamento do controlo de capitais – o que permitiria às instituições bancárias fazer sair dinheiro da Islândia a troco de um pagamento ao Estado. Um porta-voz do gabinete do primeiro-ministro adiantou que a Wintris reivindica 3,3 milhões de dólares.

Offshores: um paraíso de impostos, uma ilha para lavar dinheiro e muito mais

Sigmundur Gunnlaugsson chegou à chefia do Governo em 2013 com um duro discurso contra a crise. Prometeu que seriam “os abutres” (os credores dos três bancos falidos) a pagar pelo colapso, e que esse dinheiro seria usado para aliviar as hipotecas dos islandeses. A população sentiu-se traída e exigiu a sua cabeça.

Na segunda-feira, antes do protesto, Gunnlaugsson garantira que não iria demitir-se, uma vez que a coligação de centro-direita que lidera “tem tido bons resultados”. Depois, justificou à Reuters TV: “Certamente que não [me demito] porque o que vimos é que, bem, a minha mulher sempre pagou os seus impostos. Também vimos que ela evitou qualquer conflito de interesses não investindo nas empresas islandesas enquanto eu estou na política”, afirmou. “E finalmente, vimos que estou pronto a pôr os interesses dos islandeses em primeiro lugar, mesmo quando isso traz desvantagens para a minha própria família”.

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