Suspeita sobre arcebispo de Bamako ensombra criação de novos cardeais

Jornal Le Monde revelou no mês passado que Jean Zerbo, arcebispo de Bamako, era um dos titulares de contas na Suíça no valor de 12 milhões de euros.

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Zerbo é considerado um promotor do diálogo entre cristãos e muçulmanos no seu país Alessandro Bianchi/Reuters

O Papa entregou nesta quarta-feira o barrete cardinalício a cinco novos cardeais, quatro dos quais de países que nunca antes tinham tido um “purpurado”. Mas a celebração, a quarta em outros tantos anos do pontificado de Francisco, ficou ensombrada pelas denúncias feitas contra um dos escolhidos – o arcebispo de Bamako, no Mali, acusado de ter 12 milhões de euros em contas conjuntas com outros prelados na Suíça.

A presença de Jean Zerbo, de 73 anos, na Basílica de São Pedro, chegou a estar em dúvida, depois de fontes próximas do arcebispo terem adiantado que ele estaria adoentado, o que gerou rumores de que o Papa poderia ter recuado na decisão de o fazer cardeal. Mas terça-feira, um porta-voz do Vaticano revelou que o maliano, conhecido defensor do diálogo entre muçulmanos e cristãos no seu país, estaria na cerimónia.

A suspeita foi lançada a 31 de Maio pelo Le Monde, uma dos jornais que colabora com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Informação na investigação de esquemas de evasão fiscal através de offshores. Segundo o diário, o nome de Zerbo e de outros dois altos dirigentes da Igreja Católica do país surgem na lista de clientes da filial suíça do HSBC, que esteve no centro do escândalo SwissLeaks, divulgado em 2015. Seriam os titulares de sete contas abertas em 2002 em nome da Conferência Episcopal do Mali (CEM), de que Zerbo era à altura o responsável financeiro.

Confrontado com a suspeita, o arcebispo de Bamako começou por negar ter qualquer conta no estrangeiro, acabando por dizer que o dinheiro pertencia a antigos fundos geridos pela Igreja do país – o actual responsável pela gestão da CEM disse, no entanto, não ter conhecimento destas contas, que o Le Monde não conseguiu confirmar se ainda estão activas.

Já no início deste mês, os bispos do país saíram em defesa de Zerbo, assegurando que o dinheiro em causa “é controlado por uma comissão criada em 1988 para coordenar o trabalho pastoral e caritativo da Igreja do Mali” e tem sido usado “com toda a transparência”. Não confirmaram, porém, a origem do dinheiro – um montante elevado para um país onde os católicos são menos de 5% da população.

O Vaticano não comentou as suspeitas, mas Andrea Tornielli, vaticanista do La Stampa, escreveu que “a sua presença em Roma parece indicar que o inquérito interno terá clarificado a sua posição”. O certo é que as suspeitas ofuscaram a reputação do arcebispo que, além de empenhado no diálogo inter-religioso num país onde a violência jihadista continua a fazer vítimas, esteve envolvido nas negociações para a resolução do conflito que se seguiu à revolta tuaregue no Norte do país, em 2012.

Papéis que Francisco quis sublinhar ao fazê-lo cardeal, o primeiro na história do seu país, à semelhança de Louis-Marie Mangkhane-khoun, vigário apostólico de Pakse, no Laos, e de Anders Arborelius, o bispo de Estocolmo que é o primeiro escandinavo a entrar para o Colégio Cardinalício. A estes juntaram-se Juan José Omella, bispo de Barcelona que o El País diz ter um perfil próximo do de Francisco, e do salvadorenho Gregorio Rosa Chávez, o primeiro bispo auxiliar a ser feito cardeal antes do titular da sua diocese e que foi amigo do arcebispo Oscar Romero, defensor dos direitos humanos, assassinado em 1980 durante uma missa.

“Jesus não vos chama a ser príncipes da Igreja, mas para servir”, sublinhou o Papa na homilia em São Pedro, desafiando os novos cardeais a “olhar para a realidade” e tomar conta “dos inocentes que sofrem e morrem vítimas da guerra e do terrorismo”.

Em quatro anos de pontificado, Francisco escolheu já 49 dos actuais 121 cardeais eleitores – os que têm menos de 80 anos, a idade máxima que lhes permite participar de um conclave. Um grupo onde os europeus deixaram de ser a maioria (são agora 44%), perante a clara intenção do Papa em reforçar o peso das igrejas periféricas. 

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