Supremo venezuelano abre nova guerra ao deixar cair procuradora

Luisa Ortega Diaz tornou-se a principal voz dissidente do regime de Maduro. Presidente anunciou a substituição de todas as lideranças militares do país. Em cimeira no México, OEA não chega a consenso para condenar Caracas.

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Luisa Ortega Diaz chegou a procuradora-geral da Venezuela pela mão de Chávez mas tornou-se na principal voz crítica de Maduro LUSA/MIGUEL GUTIERREZ

No meio de uma profunda crise económica, social e política, o regime de Nicolás Maduro abriu mais uma frente de guerra institucional. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ), controlado pelo chavismo, abriu a porta da saída à procuradora-geral Luisa Ortega Diaz, que se tornou a principal figura do Estado a contestar o Presidente da Venezuela.

Meses depois de ter destituído a Assembleia Nacional, o Supremo controlado pelo Governo de Maduro aponta agora para a Procuradoria-geral do país. Esta terça-feira, o STJ aceitou um recurso apresentado, na passada sexta-feira, pelo deputado do Partido Socialista Unido da Venezuela, Pedro Carreño, contra Ortega. O deputado do partido do Governo argumenta que a procuradora cometeu “falhas graves no exercício do seu cargo” e que “atentou, feriu ou ameaçou a ética pública e a moral administrativa”.

Ortega, por seu lado, já reagiu e afirmou, em entrevista à radio Circuito Éxitos, citada pela BBC, que desconhece o teor do recurso apresentado contra si por Carreño e da decisão do STJ, pois não teve acesso à documentação, apelidando ainda a acção de “grotesca”. “Se isto é com a procuradora, como será com o cidadão comum?”, questionou.

Socialista e seguidora do chavismo por convicção, Ortega chegou a procuradora-geral pela mão de Hugo Chávez em 2007, e, em 2013, assistiu ao funeral do antigo líder venezuelano na primeira fila, como recorda a BBC. Quando o poder passou para Maduro, Ortega garantiu compromisso e lealdade ao novo Presidente. No entanto, com o passar do tempo, tornou-se na principal voz dissidente do regime de Maduro.

A gota de água surgiu após as decisões do Supremo contra a Assembleia Nacional e que lhe davam, na prática, poderes legislativos, com a repressão violenta às manifestações por toda a Venezuela. Luisa Ortega Diaz começou a falar numa deriva autoritária e ganhou o apoio da Mesa de Unidade Democrática (MUD), a coligação que agrupa os partidos da oposição. A procuradora tentou, também, travar a convocação de uma Assembleia Constituinte, sem antes se realizar um referendo. Mas os seus recursos foram sendo rejeitados pelo STJ, a mesma instância que está prestes a fazê-la cair.

Em condições normais, a destituição da máxima responsável do Ministério Público caberia à Assembleia Nacional, actualmente dominada pela oposição. No entanto, e segundo dá conta o El País, o STJ prepara-se para aproveitar a guerra que abriu com o parlamento para fazer cair Ortega: em 2016, depois da vitória da oposição nas legislativas que lhe garantiu a maioria dos deputados, o Supremo declarou o parlamento "em desrespeito" e o Governo deixou de reconhecer as suas decisões; em Março, foi ainda mais longe ao destituir a Assembleia Nacional e assumir as funções do orgão legislativo.

Maduro substitui lideranças militares

Na passada segunda-feira a Venezuela viveu mais um dia de protestos contra o regime. Como tem ocorrido quase sempre até aqui, a acção culminou em confrontos com a polícia, e com a morte de Fabian Urbina, um jovem de 17 anos. O ministro do Interior, Nestor Reverol, admitiu que a morte do manifestante se deveu ao “excessivo uso da força” por parte das autoridades e garantiu que os responsáveis seriam julgados.

Mais tarde surgiram imagens que mostram Urbina, entre outros manifestantes, a lançar pedras contra membros da Guarda Nacional Bolivariana (GNB). Um dos guardas dispara uma arma directamente contra o grupo, atingindo mortalmente o jovem -- foi a 75ª vítima em 80 dias de manifestações, segundo os dados oficiais. 

No dia seguinte, o Presidente Nicolás Maduro surgiu nas televisões nacionais, numa declaração de duas horas em que informou que vai substituir alguns dos seus altos quadros militares, entre os quais o comandante da GNB, Antonio Benavides, além dos responsáveis do Exército, da Marinha e da Força Aérea. Ao mesmo tempo, Maduro anunciou o recrutamento de 40 mil novos oficiais da polícia e da GNB.

A GNB tem estado na linha da frente na resposta aos protestos sendo, por isso, acusada de utilização excessiva da força e de ser responsável pela maioria das mortes de manifestantes. Algumas das acusações tiveram como alvo Benavides, que rejeitou sempre quaisquer violações dos direitos humanos.

Cimeira da OEA tensa mas sem condenação a Maduro

Entretanto, na cidade de Cancun, onde decorre a cimeira da Organização dos Estados Americanos (OEA), uma proposta de condenação da actuação do Governo de Caracas, apresentada pelo anfitrião México, não recolheu os 23 votos necessários para ser aprovada (20 países votaram a favor, cinco votaram contra e oito abstiveram-se).

Delcy Rodríguez, ministra dos Negócios Estrangeiros da Venezuela, e líder da delegação do país na cimeira da OEA, respondeu a cada acusação feita ao seu Governo. Como relata o El País, a ministra acusou os países críticos de ingerência com o intuito de provocar uma guerra civil na Venezuela.

Uma ausência notada na cimeira, considerada a mais relevante dos últimos anos, foi a do secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson.

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