Supremo Tribunal do México dá luz verde ao consumo de marijuana

É um primeiro passo que poderá levar à legalização da droga num país marcado por décadas de narcoviolência.

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O uso pessoal e recreativo da marijuana é um direito constitucional, disseram os juízes mexicanos Yuri CORTEZ/AFP

O Supremo Tribunal do México abriu as portas à legalização da marijuana sem fins lucrativos, ao pronunciar-se sobre a constitucionalidade das muito restritivas leis mexicanas sobre o consumo de drogas. Numa votação 4 a 1, os juízes consideraram que os cidadãos devem ter o direito a cultivar e a transportar marijuana se for para uso pessoal e recreativo.

Este parecer não revoga as leis em vigor, modeladas por anos de luta sangrenta contra os cartéis da droga, que começa do outro lado da fronteira, nos Estados Unidos, o grande mercado próximo, e continua no México, onde gera violência e corrupção. Mas abre caminho para uma vaga de acções judiciais que poderá conduzir à modificação das actual legislação, no que poderá ser um dos passos mais importantes do debate cada vez mais alargado nas Américas sobre os custos e as consequências da guerra contra as drogas das últimas décacas.

Tal como aconteceu com o casamento gay, explica o jornal El País, foram os juízes que tomaram a iniciativa perante uma população maioritariamente contra e partidos políticos hesitantes. Os inquéritos de opinião mostram níveis de oposição popular próximos de 70%. Só o PRD, o grande partido da esquerda, defendeu que se pusesse fim ao “paradigma punitivo” e apelou a uma liberalização imediata do consumo. O PRI, o partido no governo, e o Morena (esquerda), defenderam um referendo, e o PAN (direita) pediu que se debatesse o assunto. A Igreja disse não estar contra nem a favor.

Décadas de luta contra o narcotráfico, apoiada pelos EUA, não têm no entanto muito para mostrar, sublinha o New York Times. O fluxo de drogas para Norte, para os EUA, continua, bem como a corrupção e a violência no México. A luta contra os cartéis e a narcoviolência fizeram pelo menos 80 mil mortos e 20 mil desaparecidos neste país.

Vários líderes da América Latina apelaram a uma reflexão sobre a continuação da estratégia de sempre. O Uruguai despenalizou o consumo de marijuana, e o Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, tem sido um paladino desse apelo à reflexão: em Maio, o seu Governo ordenou que parassem as pulverizações de herbicida feitas a partir do ar dos campos de cultivo ilegais de coca, rejeitando uma das principais ferramentas da campanha norte-americana de luta contra as drogas.

Santos sublinha a incongruência de prender camponeses pobres na América Latina por cultivarem marijuana, enquanto quatro estados americanos e a cidade de Washington liberalizaram já o seu consumo. E o Canadá, com o seu novo primeiro-ministro, Justin Trudeau, deve liberalizá-lo em breve.

Em concreto, os juízes do Supremo mexicano pronunciaram-se sobre o recurso interposto pela Sociedade Mexicana de Autoconsumo Responsável e Tolerante (SMART) depois de a entidade reguladora da saúde ter inviabilizado uma licença para a abertura de um clube privado dedicado ao uso pessoal e regular de marijuana com fins lúdicos, na Cidade do México.

O colectivo votou um projecto de deliberação redigido por um dos seus juízes, Arturo Zaldívar, que sustentava a despenalização do cultivo e transporte de marijuana para o consumo com fins lúdicos ou recreativos. Na sua opinião, a proibição do consumo recreativo é "contrário ao livre desenvolvimento da personalidade" e atenta contra o direito à autodeterminação tal como está consagrado na Constituição.

Como o tribunal aceitou a opinião do juiz Zaldívar, a SMART será autorizada a abrir o clube, o que pressupõe a declaração da inconstitucionalidade de cinco artigos da Lei Geral da Saúde. Estes, segundo o juiz, “afectam direitos fundamentais, sem explorar alternativas menos extremas para regular o consumo e assim prevenir os vícios à lei”.

Pondo em causa a Lei Geral da Saúde, o Supremo afasta os obstáculos jurídicos ao licenciamento de outros clubes de utilizadores – e assim força o Congresso Nacional a legislar sobre a marijuana.

O México já tinha despenalizado a posse de 5 mg de marijuana para uso pessoal em 2009. 

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