Eduardo Cunha é afastado do Congresso brasileiro por juiz do Supremo

Juiz considera que Eduardo Cunha usou o cargo para "constranger, intimidar parlamentares, réus, colaboradores, advogados e agentes públicos com o objectivo de embaraçar e retardar as investigações" da Lava-Jato.

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Cunha é um dos acusados no processo Lava-Jato EVARISTO SA/AFP

Um juiz do Supremo Tribunal do Brasil determinou esta quinta-feira a suspensão do mandato de Eduardo Cunha, um dos mais poderosos políticos brasileiros, como parlamentar e presidente da Câmara dos Deputados. Foi uma decisão inesperada porque o pedido de afastamento de Cunha, que é arguido na Operação Lava Jato, foi feito há cinco meses pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e esteve todo esse tempo à espera de ser analisado no Supremo. Enquanto isso, Eduardo Cunha liderou e acelerou o processo de impeachment no Congresso contra a Presidente Dilma Rousseff, sua adversária política.

O juiz Teori Zavascki deu razão aos argumentos de Rodrigo Janot de que Cunha tem usado o seu cargo e posição no Congresso em interesse próprio, para praticar actos “ilícitos” e obter “vantagens indevidas”. No seu pedido, o procurador Janot aponta várias situações em que Cunha pressionou empresários a pagarem subornos, intimidou ou ameaçou quem contrariou os seus interesses, actuou em benefício próprio através de outros deputados que pertencem ao seu grupo de aliados, fez mudanças legislativas de acordo com os seus interesses pessoais e procurou constranger e atrasar as investigações contra ele.

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Em Março Cunha foi formalmente incriminado no Supremo pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro sob a acusação de integrar o esquema de corrupção da empresa estatal Petrobras, que a Lava Jato investiga. Suspeita-se que o parlamentar – que é do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o mesmo do vice-presidente Michel Temer – terá recebido cinco milhões de dólares de suborno em troca da viabilização de contratos na Petrobras. Ardiloso e cínico, Eduardo Cunha, de 57 anos, tem mantido cara de póquer, mesmo quando as suspeitas contra ele se acumulavam: no ano passado, quando o Ministério Público suíço revelou que possuía contas milionárias secretas naquele país, negou ser o titular das mesmas.

A decisão do juiz Teori Zavascki, que se tornou efectiva nesta quinta-feira, traz um novo grau de incerteza ao já caótico e imprevisível impasse político brasileiro. Rui Falcão, presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), de Dilma e de Lula da Silva, celebrou no Twitter: “Antes tarde do que nunca! É para aplaudir de pé”, escreveu. O governo pretende usar a decisão do juiz do Supremo como argumento para suspender o processo de impeachment (destituição) contra a Presidente. O advogado de Dilma, José Eduardo Cardozo, disse ontem na comissão de impeachment do Senado que a decisão de Zavascki reforça a tese de defesa da Presidente, que tem vindo a dizer que Cunha cometeu abusos de poder e usou o cargo para fins indevidos e, por isso, o processo está viciado desde a origem.

O próprio Congresso abriu um processo interno há meses para analisar o seu eventual afastamento, mas Cunha tem conseguido atrasar o avanço do mesmo. Ele accionou o processo de destituição no Congresso num acto de retaliação, quando soube que não teria o apoio dos deputados do PT na comissão parlamentar de ética que analisa o seu caso.

Mas a decisão de Teori Zavascki também terá sido recebido com alívio pelo vice-presidente Michel Temer, que se prepara para substituir Dilma na presidência, o que poderá acontecer já na próxima semana, se o Senado votar a favor da instauração do processo de impeachment e do julgamento da Presidente. Segundo Lauro Jardim, colunista do jornal O Globo, a avaliação de Temer é que Cunha, que pertence ao mesmo partido, seria “um fardo que teria de carregar e pelo qual seria cobrado”. Dilma Rousseff acusou Temer e Cunha de serem “golpistas” que arquitectaram o impeachment em conjunto. Temer tem optado por não criticar nem pronunciar-se sobre Cunha, de quem é próximo. Numa entrevista ao Globo na segunda-feira, disse que esse era um “assunto do [poder] judicial e do Conselho parlamentar de Ética”. “Não cabe a mim, por demagogia, atacá-lo. É um assunto em que simplesmente não vou entrar.” Há um mês, uma sondagem do Instituto Datafolha mostrou que 77% dos brasileiros defendiam a expulsão de Cunha do seu cargo.

Eduardo Cunha não se pronunciou ainda sobre a decisão do juiz Teori Zavascki. Manteve-se reunido com advogados, na sua residência oficial em Brasília. Segundo a imprensa brasileira, Cunha deve recorrer da decisão. O seu cargo será ocupado, em regime interino, pelo vice-presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Waldir Maranhão, do conservador Partido Progressista (PP), que também é investigado por suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato.

O atraso do Supremo em analisar o pedido de afastamento de Cunha pelo procurador-geral da República levou muitos brasileiros a criticar o sistema judicial e a questionar a isenção dos juízes daquele tribunal, que nas últimas semanas aprovaram, entre outras coisas, um significativo aumento salarial para a classe judicial, no que foi visto como um gesto corporativo. A iminência do impeachment de Dilma Rousseff trouxe uma nova urgência: caso Michel Temer assuma a presidência, o número dois na linha de sucessão seria Eduardo Cunha. Ele poderia assumir a presidência ocasionalmente – em particular, quando Temer estivesse fora do país.

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O timing da decisão do juiz Teori Zavascki parece estar relacionado com o anúncio, feito na quarta-feira, de que o Supremo iria analisar esta quinta-feira à tarde, com carácter de urgência, um pedido feito pelo partido Rede, de Marina Silva, para afastar Cunha do cargo. Zavascki poderá ter tentado antecipar-se a essa reunião do plenário do Supremo para não ser acusado de inacção ou sentir-se ultrapassado. Enquanto juiz responsável pelos processos no Supremo que têm a ver com a Lava Jato, cabia-lhe a ele analisar e pronunciar-se sobre o pedido do procurador-geral da República. A sua decisão é provisória e deverá ter de ser confirmada pelos restantes juízes do Supremo.

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