Sem entendimento com Madrid, catalães avançam para eleições

Presidente do governo da Catalunha enterra pacto fiscal depois de ouvir o primeiro-ministro espanhol recusar discuti-lo. Agora, disse, é tempo de pensar "num novo projecto" para a região

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"A Catalunha não pode renunciar ao seu futuro", disse Mas Reuters

Duas horas de conversa entre o primeiro-ministro de Espanha e o presidente do governo da Catalunha não chegaram para aproximar posições aparentemente irreconciliáveis.

Artur Mas apresentou ao chefe do Governo o pacto fiscal aprovado pelo Parlamento catalão em Julho, Mariano Rajoy disse-lhe que "não tem margem" para o discutir, sublinhando que esta não é só a posição do Partido Popular, no poder desde Novembro, mas também a do maior partido da oposição, o PSOE.

A região e o país estão ainda mais de costas voltadas. Agora, disse Artur Mas, é tempo de pensar num "projecto novo para a Catalunha".

O líder catalão não falou em eleições antecipadas - "Todas as opções estão em aberto", respondeu quando questionado -, mas é sobre isso que escrevem todos os jornais espanhóis, sugerindo que poderão acontecer o mais tardar em Dezembro. Chamar os catalães a regressar às urnas será a forma de Artur Mas reforçar a legitimidade para o "projecto novo" que anuncia para a região.

O anúncio não deverá acontecer antes do debate de política geral marcado para o Parlamento da região na próxima terça-feira, duas semanas depois da manifestação histórica em que 1,5 milhões de catalães marcharam pela independência em Barcelona. Duas semanas em que a independência deixou de ser uma palavra proibida para os líderes da Convergência e União (CiU, conservadores nacionalistas) de Artur Mas, defensores tradicionais de uma autonomia crescente no interior do Estado espanhol.

Mariano Rajoy, criticado por desvalorizar as reivindicações catalãs, não falou à imprensa depois do encontro.

O Financial Times escrevia ontem em editorial que "Rajoy governa por decreto, desdenhando qualquer necessidade de construir consensos ou até de informar adequadamente os espanhóis".

Em vez de falar, Rajoy divulgou um comunicado onde afirma que "o pacto fiscal é incompatível" com a Constituição e lembra "as ajudas" dadas durante esta legislatura à região: 11 mil milhões de euros, escreveu.

Rajoy admitiu que a Catalunha não é a única comunidade autonómica que "tem denunciado os defeitos" do sistema de financiamento regional em vigor desde 2009, confirmando que vai "pedir a sua revisão para que entre em vigor ainda nesta legislatura" o novo modelo.

A vontade de um povo

Artur Mas abandonou a Moncloa, sede do Governo espanhol, e dirigiu-se à delegação da Generalitat em Madrid para falar aos jornalistas. O encontro "não correu bem", disse, em declarações que iniciou em catalão para prosseguir em castelhano. "Perdeu-se uma oportunidade histórica de entendimento entre a Catalunha e o resto de Espanha", lamentou.

O presidente da Generalitat afirmou-se "triste" e "decepcionado".

A Catalunha, defendeu, não pode aceitar "o futuro cinzento" que lhe é proposto, quando poderia ter outro, "mais luminoso e brilhante". "A Catalunha não pode renunciar ao seu futuro", repetiu. Voltando a lembrar "o milhão e meio que saiu à rua", Artur Mas defendeu que a Constituição não trava a aspiração catalã de ter "instrumentos de Estado". "Não há nenhuma fronteira legal que possa aniquilar a vontade de um povo", avisou, lembrando que "o Reino Unido permitiu à Escócia um referendo", consulta prevista para 2014.

A maior manifestação de sempre em apoio da independência aconteceu num contexto de crise económica, com o governo regional a apontar o dedo a Madrid pelo estado das suas finanças. Se a Catalunha recebesse a parte justa, dizem os líderes catalães, não teria défice. Nas contas da Generalitat, o Estado fica anualmente a dever 16,5 mil milhões de euros à região. Com o pacto fiscal, a Catalunha passaria a gerir os seus impostos, em vez de se limitar a recolhê-los e a transferi-los para Madrid - só o País Basco tem um sistema diferente.

Um Estado independente

Artur Mas e a CiU parecem ter decidido ganhar pontos com o apoio crescente à independência - em Julho, pela primeira vez, uma maioria de 51,1% de catalães afirmou num inquérito que escolheria a independência, se a questão se colocasse num referendo. Por convicção ou estratégia, a mudança de posição está a resultar. Vários analistas notam o paradoxo de um governo regional que aplica tantos ou mais cortes e medidas de austeridade do que Madrid sem perder popularidade.

"A grande astúcia política do partido governante foi apresentar a necessidade de aplicar tais medidas como consequência da 'expropriação' da Catalunha por parte de Espanha", escrevia ontem no diário espanhol Publico Vicenç Navarro, catedrático de Ciência Política na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona.

Sem participar na manifestação da Diada (feriado catalão que assinala a derrota da região na Guerra da Sucessão, em 1714, e a integração definitiva no Estado espanhol), o líder da Generalitat não escondeu o seu apoio à iniciativa. Entretanto, reuniu-se com os promotores do protesto, a Assembleia Nacional Catalã, assumindo como suas as reivindicações da organização. Ontem, ao regressar a Barcelona, tinha à sua espera uma manifestação organizada pelo mesmo grupo. Objectivo: "reafirmar o clamor independentista da marcha de 11 de Setembro" e sublinhar a Artur Mas a necessidade de a região iniciar "o caminho para a obtenção de um Estado independente".
 
Publicada no dia 21 de Setembro de 2012
 
 
 

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