Sem maioria, Rajoy promete modelo "inédito" para governar Espanha

“Qualquer lei terá de ser fruto de negociação”, admitiu o líder conservador. PSOE e Unidos Podemos prometem liderar oposição.

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Mariano Rajoy apresentou o seu programa de Governo aos deputados Sergio Perez / Reuters

Poucas vezes se terá ouvido da boca de Mariano Rajoy as expressões “diálogo”, “pacto” ou “colaboração” com tanta insistência como no debate parlamentar desta quarta-feira. Com o Congresso mais fragmentado dos últimos 40 anos, o líder conservador sabe que está obrigado a negociar de forma diária com as restantes bancadas, de forma a evitar novas eleições. Falou mesmo num modelo "inédito" para governar Espanha.

“Estou consciente de que entrámos numa nova etapa política”, disse Rajoy perante os deputados que compõem aquele que é muito provavelmente o Congresso mais hostil que um Governo espanhol terá pela frente. Para que o executivo não seja “estéril”, Rajoy admite que “qualquer lei terá de ser fruto da negociação”. Entre o apoio condicionado do Cidadãos, a necessidade de conquistar abstenções embaraçadas do PSOE e a oposição feroz do Unidos Podemos, Rajoy promete uma governação negociada: “Não me vai faltar tempo para escutar e entender as vossas inquietações”, garantiu aos deputados.

A emergência de novos actores políticos nos últimos anos – saídos dos anos da austeridade aplicada pelo próprio Partido Popular – revolucionou a paisagem política espanhola. Habituados a um parlamento dominado quase em exclusivo por socialistas e conservadores, os líderes dos partidos tradicionais vêem-se agora num quadro muito diferente que os obriga a negociar.

É isso que explica que, naquela que é uma sessão tradicionalmente reservada à apresentação do programa de Governo, Rajoy tenha devotado dois terços do seu discurso de pouco mais de 45 minutos à governabilidade. Essa será a questão de fundo da legislatura que se inicia, a partir da qual todas as políticas terão de se conformar.

Mas até quando adoptou um tom programático, Rajoy fê-lo a pensar nas pontes que terá de construir a partir de agora. Escolheu o “emprego” e o “Estado social” como as grandes prioridades do seu executivo. “O emprego foi sempre a minha preocupação e prioridade máxima”, garantiu, apesar de Espanha continuar a registar a segunda taxa de desemprego mais elevada da União Europeia, apenas atrás da Grécia.

Rajoy falou também da corrupção – um tema caro ao Cidadãos – para defender que hoje “não há impunidade”. Porém, disse estar aberto a “promover as reformas necessárias para reforçar a confiança dos cidadãos nas instituições”. Em cima da mesa mantém-se o acordo de 150 compromissos assinado no Verão com os Cidadãos – cujo apoio na altura foi insuficiente para viabilizar um Governo conservador – que Rajoy diz querer cumprir.

A luta pela oposição

Foi a segunda vez em menos de três meses que Mariano Rajoy se dirigiu ao Congresso para convencer os deputados a viabilizarem um Governo liderado por si. Os acontecimentos da última semana dão-lhe, desta vez, mais certezas de que irá cumprir esse objectivo – não esta quinta-feira, mas na segunda votação, marcada para sábado. Tudo indica que Rajoy tem a indigitação assegurada à segunda ronda, por via da abstenção prometida pela liderança interina dos socialistas. Mas não é certo que a vida do Governo que venha a tomar posse venha a ser facilitada.

À saída da sessão, a porta-voz do PSOE, Isabel Rodríguez, garantiu que o seu partido “vai liderar a oposição”. “Por nós, estaríamos a votar não [à investidura de Rajoy], mas não se trata de nós, mas sim do país. Precisamos de acabar com esta situação de bloqueio”, afirmou. O ex-líder, Pedro Sánchez, garantiu que vai chumbar a investidura.

Mas a oposição mais cerrada vem da coligação de esquerda Unidos Podemos, que se pretende afirmar como a verdadeira oposição ao futuro Governo, aproveitando-se da “cedência” socialista. “É difícil liderar a oposição e ao mesmo tempo colocar Mariano Rajoy na Moncloa [sede do Governo]. Alguns vão ter que fazer muitos malabarismos”, afirmou o porta-voz do Podemos, Iñigo Errejón.

O partido que irrompeu na política espanhola a partir das grandes manifestações na Porta do Sol contra as políticas de austeridade de Rajoy pretende responder desde já ao novo Governo. Para sábado está marcado um “cerco” ao Congresso em protesto contra a investidura de Rajoy. Porém, a estratégia do Podemos não é consensual no seio do próprio partido. O líder, Pablo Iglesias, mostrou-se a favor da iniciativa e prometeu até dirigir-se aos manifestantes no local. Errejón encabeça um sector que insiste numa oposição mais institucional, ancorada no grupo parlamentar e com menos ênfase nas acções de rua.

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