Renamo anuncia que os seus deputados não tomam posse

Novo passo na contestação às eleições gerais de Outubro. Há quatro anos, Dhlakama fez anúncio semelhante mas os lugares do partido acabaram por ser ocupados.

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"Não vamos participar numa farsa”, disse o porta-voz da Renamo, António Muchanga GIANLUIGI GUERCIA/AFP

A Renamo, Resistência Nacional Moçambicana, principal partido da oposição, anunciou que os seus deputados eleitos para o Parlamento não vão tomar posse. É mais um passo na contestação que a antiga guerrilha tem vindo a fazer às eleições gerais de Outubro, que deram a vitória à Frelimo, Frente de Libertação de Moçambique, e ao seu candidato presidencial, Filipe Nyusi.

“Não vamos ocupar os nossos lugares no Parlamento. O partido e o presidente decidiram que não vamos participar numa farsa”, disse à Reuters o porta-voz da Renamo, António Muchanga. O líder, Afonso Dhlakama, deve falar esta quinta-feira sobre o assunto.

O boicote teve esta quarta-feira uma primeira expressão — os 294 membros eleitos pela Renamo para as dez assembleias provinciais do país faltaram às cerimónias de posse, o que, por falta de quórum, impediu, segundo a agência AIM, a eleição dos presidentes e das comissões provinciais da Zambézia, Sofala e Tete, onde a Renamo tem a maioria.

Apesar do anúncio do boicote, a comissão permanente da Assembleia da República de Moçambique confirmou, esta quarta-feira, que a “investidura” dos deputados eleitos a 15 de Outubro continua marcada para a próxima segunda-feira, dia 12. A posse de Filipe Nyusi deverá ocorrer no dia 15.

A decisão da Renamo, que justifica por considerar as eleições fraudulentas, aumenta a tensão política num país em que o regresso da guerra é uma preocupação permanente. Mas o gesto não é inédito. Depois das eleições gerais de 2009, Afonso Dhlakama fez um anúncio semelhante. Porém, alguns dias depois, 16 deputados tomaram posse, alegadamente contra a vontade do líder, e todos os restantes, num total de 51, acabaram por seguir o mesmo caminho.

A irreversibilidade ou não da decisão depende, também desta vez, da Renamo. O regimento prevê que os parlamentares que não tomem posse na data marcada o possam fazer nos 30 dias seguintes. Só se nesse prazo não forem ocupados, os assentos parlamentares serão perdidos. Nesse cenário, por não ter representação parlamentar, a Renamo não receberia apoios do Estado.

Para a Assembleia de 250 lugares, o principal partido da oposição elegeu 89 deputados, correspondentes a 32,95% de votos. A Frelimo terá 144, que traduzem uma votação de 55,68%. O MDM, Movimento Democrático de Moçambique, que também fez denúncias de irregularidades, tem os restantes 17, resultado de 8,4% dos votos.

Nas presidenciais, a vitória foi para Filipe Nyusi, com 57%, à frente de Afonso Dhlakama, com 36,6%, e de Daviz Simango, do MDM, com 6,04% — segundos os resultados oficiais, validados pela maioria da Comissão Nacional de Eleições e confirmados, no início da semana passada, pelo Conselho Constitucional. Ainda assim, organizações como o Centro de Integridade Pública, uma entidade independente, consideram que Moçambique teve “mais uma eleição manchada”.

Estratégia de contestação
O anúncio de que os lugares da Renamo não serão ocupados insere-se na sua estratégia de contestação às eleições. Dhlakama tem vindo a reclamar a criação de um governo de gestão, para o qual nomearia membros. No final do ano anunciou a realização, a partir da primeira quinzena de Janeiro, de manifestações para “pressionar a Frelimo a aceitar as mudanças e o estabelecimento de uma nova ordem política”.

Já esta semana, uma manifestação contra a validação dos resultados das eleições esteve na origem de outro episódio que contribuiu para aumentar as preocupações sobre a situação em Moçambique: o porta-voz António Muchanga, também deputado eleito, foi detido na terça-feira e libertado algumas horas mais tarde, acusado de ter liderado uma manifestação em Maputo, no sábado. A polícia considerou o protesto ilegal, por não ter sido previamente autorizado, e informou que o dirigente da Renamo era também acusado de incitamento à violência. Após a libertação, a sua advogada disse que a detenção foi ilegal porque não houve mandado de captura.

O líder da Renamo tem afastado o regresso à luta armada, mas o historial de guerra fratricida entre 1976 e 1992, com uma nova fase em 2013-2014, não permite excluir esse cenário. A antiga guerrilha acusa o Governo de estar a violar o acordo que em Setembro levou à cessação das hostilidades dos últimos anos — e permitiu as eleições de Outubro — ao deslocar forças militares em zonas do centro do país.

O executivo respondeu que nada no acordo impede movimentações da polícia e das Forças Armadas. “Seria grave se eles dissessem que esses efectivos invadiram uma base da Renamo ou impediram os homens da Renamo de realizar as suas actividades. Parece-me que Moçambique não perdeu ainda a soberania”, disse o chefe adjunto da delegação do Governo no diálogo com a Renamo, Gabriel Muthisse, ministro dos Transportes, citado pelo jornal oficioso Notícias.

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