Londres e Bruxelas discutem o divórcio. Haverá lágrimas?

Esta segunda-feira inicia-se a primeira semana de negociações concentradas em três prioridades: direitos dos cidadãos, contribuições financeiras e fronteiras.

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Michel Barnier encabeça a equipa de negociadores europeus do "Brexit" Reuters/FRANCOIS LENOIR

Quando passarem 15 minutos das nove da manhã desta segunda-feira em Bruxelas, os dois chefes das equipas de negociadores do “Brexit” – Michel Barnier pela União Europeia e David Davis pelo Governo britânico – vão cumprimentar-se perante as câmaras na sede da Comissão Europeia. Este breve momento de cortesia serve como pontapé-de-saída para a primeira semana completa de negociações entre as duas equipas que têm pela frente o empreendimento diplomático mais desafiante desde a criação do bloco europeu.

Os próximos dias serão passados em reuniões temáticas durante as quais o objectivo é identificar as áreas em que existe acordo ou divergência entre as duas partes. Os grandes temas prioritários são os direitos dos cidadãos afectados pelo “Brexit”, as contribuições financeiras de Londres e o estatuto da futura fronteira entre o Reino Unido e a União Europeia. Para quinta-feira está marcada uma conferência de imprensa conjunta em que Barnier e Davis irão fazer um balanço da primeira semana de trabalhos.

Um acordo nestas três áreas é fundamental – e obrigatório, lembrou recentemente Barnier – para que as negociações passem ao nível seguinte: que tipo de relação manterá o Reino Unido com o bloco europeu.

A semana que antecedeu o início das negociações serviu para Londres e Bruxelas deixarem recados – e tentarem ganhar alguma vantagem inicial. A chamada “factura do ‘Brexit’” – o conjunto de contribuições que Londres deve garantir para os cofres europeus – parece ser o principal factor de divergências neste momento. Na última semana, o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Boris Johnson, disse que a UE pode “esperar sentada” pelo pagamento dos milhões de euros que Bruxelas calcula ter de receber de Londres após a saída estar consumada. Barnier preferiu lembrar que o relógio está a contar.

Nos últimos dias, porém, a posição do Governo parece ter suavizado, com a divulgação de uma carta assinada pela secretária de Estado do “Brexit”, Joyce Anelay, dirigida ao Parlamento em que é reconhecido que “o Reino Unido tem obrigações para com a UE (…) que irão persistir para além da saída”. O timing da divulgação desta posição não é inocente e tem o claro objectivo de afastar o espectro da discórdia na primeira semana de negociações.

Ainda assim, a carta de Anelay não refere qualquer valor concreto que as contribuições britânicas possam vir a assumir. O Reino Unido deverá sair da UE ainda durante a vigência do orçamento comunitário aprovado em 2013, pelo que terá de continuar a fazer as contribuições com que se comprometeu até 2020. Acrescem ainda vários projectos de desenvolvimento que já contam com financiamento britânico e ainda os descontos para o sistema de pensões dos funcionários britânicos da UE. Os cálculos de Bruxelas apontam para uma “factura” de 60 mil milhões de euros para ser paga já depois de o país ter abandonado a UE.

“Pela primeira vez, eles reconheceram que podemos falar em obrigações financeiras”, disse ao The Guardian o eurodeputado alemão Elmar Brok, que tem coordenado a abordagem do Parlamento Europeu a este dossier. “Se concordamos com o resultado no final do dia, isso já é outra história”, acrescentou.

Do lado de lá do canal da Mancha, a imagem parece ser de desorientação. Vários responsáveis europeus e britânicos insistem, quase sempre sob anonimato, na ideia de que o Governo liderado por Theresa May ainda não tem um plano para a forma como as negociações devem decorrer, muito por causa da perda da maioria parlamentar conservadora após as eleições intercalares de 8 de Junho.

Um dos avisos mais sérios foi deixado pelo antigo ministro da Administração Pública, Gus O’Donnell, que alertou para a possibilidade de os serviços não terem capacidade para responder às exigências dos prazos das negociações. “A UE tem indicações claras de negociação, enquanto parece que os membros do Governo ainda não acabaram de negociar uns com os outros.”

Perante a incerteza das negociações e dos termos finais da saída britânica, o antigo primeiro-ministro, Tony Blair, deixou nos últimos dias um apelo para que May reconsidere essa opção e mantenha o Reino Unido na UE. “Os líderes europeus estão dispostos a considerar mudanças para manter o Reino Unido, incluindo sobre a liberdade de circulação”, escreveu Blair no seu site.

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