Portugal e Espanha concertaram posição sobre reforma do euro

Governo de Mariano Rajoy enviou proposta de eurobonds e subsídio europeu de desemprego para Bruxelas, em Fevereiro, depois de encontros em Lisboa.

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Mariano Rajoy e António Costa Pedro Nunes/Reuters

Foi uma semana intensa, a última de Janeiro. No dia 24, o Governo português promoveu um "seminário de alto nível" dedicado à reforma da Zona Euro, na Gulbenkian. O resultado foi o documento Um euro para o crescimento e a convergência, enviado para Bruxelas, ao cuidado dos principais responsáveis da União Europeia, incluindo os presidentes da Comissão, Jean-Claude Junker, e do Conselho, Donald Tusk. No dia 28, quatro dias depois, estiveram em Lisboa os líderes de seis países do Sul, numa cimeira que juntou António Costa, Mariano Rajoy (Espanha), François Hollande (França), Alexis Tsipras (Grécia), Nikos Anastasiades (Chipre), Paolo Gentiloni (Itália) e Joseph Muscat (Malta).

Em cima da mesa, o tema dominante foi o mesmo: uma reforma da política monetária da UE, e mudanças profundas na Zona Euro.  

A articulação entre Lisboa e Madrid começou logo no seminário, em que participou Luís de Guindos, o ministro da Economia do Governo conservador espanhol. As conclusões do seminário foram, então, levadas a Bruxelas, pelos dois países, em final de Janeiro (Portugal) e Fevereiro (Espanha), como posições oficiais.     

“As lacunas da arquitectura do euro explicam o impacto diferenciado da última crise. O euro não precisa só de bombeiros, precisa também de arquitectos.” É desta forma que o Governo espanhol, liderado por Mariano Rajoy, justifica as suas propostas para a reforma da Zona Euro – um documento revelado agora pelo El País. “O projecto europeu só perdurará se os cidadãos perceberem que proporciona níveis de prosperidade sustentáveis e inclusivos”, alerta o Governo espanhol. “Espanha propõe refundar o euro”, adianta o jornal espanhol.

As medidas concretas das reformas propostas por Portugal e Espanha coincidem, no essencial, com a nova estratégia de Emmanuel Macron, o recém-empossado Presidente francês. Para Lisboa, Madrid e Paris, a Europa precisa de “uma verdadeira governação económica”, uma vez que o euro “é um projecto inacabado”, lê-se no documento espanhol. Tudo se tornou evidente, continua o documento, durante a última crise, que “revelou erros críticos no desenho” da moeda única europeia.

Margarida Marques, secretária de Estado dos Assuntos Europeus, explicou ao PÚBLICO, a partir de Bruxelas, que o documento espanhol surge "na continuidade do debate de Lisboa". O Governo português "vê com bons olhos que estas propostas vão fazendo o seu caminho".

Entre as que foram entregues a Jean-Claude Juncker, que prepara para o final deste mês (dia 31) um documento sobre a união monetária, estão várias medidas concretas como a criação de um orçamento anti-crise, um seguro de desemprego comunitário, a mutualização da dívida dos países da Zona Euro através da emissão de títulos comuns (eurobonds), e a conclusão da união bancária. Emmanuel Macron, no entanto, esclareceu ontem que não está de acordo com a emissão de eurobonds — um tema polémico na Alemanha, que visitou esta segunda-feira.

O novo Presidente francês propõe ainda uma reforma que Portugal não subscreve: a criação de um Parlamento da Zona Euro. Essa proposta desagrada ao Governo português porque implica uma alteração dos Tratados da União. Margarida Marques explica porquê: "As nossas propostas inserem-se no quadro dos actuais tratados. Partir para uma modificação dos tratados parece-nos que é prolongar desnecessariamente o debate."  

Isso não impede que sejam apresentadas propostas ambiciosas, como a intenção de rever os critérios de convergência que se aplicam desde o Tratado de Maastricht, e aprofundados com o Tratado Orçamental (assinado através do mecanismo de “cooperação reforçada” entre vários países, que ainda não faz parte do corpo legislativo da União Europeia).

Para Madrid, o Pacto de Estabilidade (que obriga ao cumprimento de critérios orçamentais em todos os Estados) deve ser “estritamente” cumprido. Mas só depois de “melhorado”, retirando-lhe a componente “pro-cíclica”, ou seja, a que “obriga a corrigir os desequilíbrios de maneira especialmente custosa, sobretudo em termos de desemprego”.

Além da revisão dos critérios, a Europa precisa também de se dotar de um maior “controlo democrático” em algumas das suas instituições, como o Eurogrupo. Esta estrutura “informal”, que reúne os ministros das Finanças da Zona Euro, actualmente presidida pelo holandês Jeroen Dijsselbloem, tem, para o governo espanhol, atribuições demasiado importantes e um défice de legitimidade: “Não podemos transferir a responsabilidade de decisões importantes para os cidadãos sem [acautelarmos] a legitimidade democrática”, adverte o documento.

Por seu lado, a secretária de Estado portuguesa manteve vários encontros com responsáveis europeus, do Comissário dos Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici, ao economista-chefe que aconselha o Presidente do Conselho. "É necessário agir a nível europeu", adverte Margarida Marques. Por isso, a estratégia passou por articular posições com outros Estados no sentido de dotar a UE de mecanismos que possam "proteger o euro de choques assimétricos futuros".

"Ouvir o novo Presidente francês com propostas que são muito semelhantes às nossas dá-nos muita satisfação", sublinha Margarida Marques. O mesmo se passou, em Janeiro, na cimeira dos países do Sul, onde as mesmas propostas "reuniram consenso". "Esta é a forma como trabalhamos para alcançar maiorias a nível europeu."

 

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