Racismo: Trump passou a vida a pisar o risco

Durante a sua carreira, Donald Trump viu-se envolvido em polémicas por declarações ou actos tingidos de racismo. Agora, como Presidente dos EUA, não consegue abandonar esse padrão de comportamento.

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Donald Trump em regularmente brincado com o fogo das polémicas raciais Joshua Roberts/REUTERS

Na campanha eleitoral, quando os comentários de Donald Trump sobre mexicanos e muçulmanos suscitaram acusações de que era racista, o candidato rechaçou as críticas: “Sou a pessoa menos racista que alguma vez vão encontrar.”

Para o provar, citou o apoio que recebeu de Don King, o lendário promotor de boxe afro-americano. “Provavelmente, ninguém conhece o racismo tão bem como o Don King”, afirmou Trump ao Washington Post. “Ele nunca apoiaria um racista, certo?”

Mas como convencer os que o acusavam de ser racista de que tal não era verdade? “Isso não me preocupa. Na verdade, não me preocupa porque não creio que as pessoas acreditem nisso”, retorquiu.

Desde a primeira controvérsia pública em que se viu envolvido, nos anos setenta, quando o Governo federal processou Trump e o seu pai por práticas discriminatórias nos arrendamentos no seu império imobiliário em Nova Iorque, até ao estrondo das declarações no início da campanha presidencial de 2016, em que afirmou que os mexicanos que entravam nos Estados Unidos eram criminosos e “violadores”, Donald Trump tem regularmente brincado com o fogo das polémicas raciais.

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Trump e o promotor de boxe Don King, seu apoiante Jonathan Ernst/REUTERS

Depois de atribuir responsabilidades aos “dois lados” pelos confrontos do fim-de-semana nas ruas de Charlottesville, Virgínia, um invulgar conjunto bipartidário de políticos pediu ao Presidente que se retracte das observações que descrevem uma manifestação abertamente supremacista como algo inofensivo e razoável.

Que revelam tais comentários sobre a sua atitude perante a dolorosa história de divisão racial nos EUA? Serão os seus comentários racialmente divisivos apenas mais um exemplo da sua impulsividade e propensão para a provocação, ou representam uma verdadeira tolerância com opiniões racistas?

“Ele é mesmo assim”

Armstrong Williams, um conservador afro-americano, apresentador de talk-shows e apoiante de longa data de Trump, diz que ele é assim em quase todos os assuntos. Se o ex-director do FBI James Comey ou o antigo chefe de gabinete da Casa Branca Reince Priebus “fossem negros, as pessoas diriam que tinham sido vítimas de racismo”, diz Williams. “Não se pode reduzir isto a uma questão de raça. Ele é mesmo assim. É indisciplinado e causa dor desnecessária com as suas declarações, foi assim toda a sua vida.”

“Ele não se consegue conter e dispara em todas as direcções sem compreender a história do neonazismo e da supremacia branca. E aqueles de nós que tínhamos tanta esperança nele sentimo-nos exaustos, porque é isto todos os dias. Sentimo-nos traídos. Daqui a pouco tempo não terá ninguém do lado dele, porque quando começa a falar de nazis e de supremacia, quem é que o vai defender?”, completa.

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Manifestação na Califórnia esta semana contra Trump MIKE NELSON/EPA

Mas outros há que dizem que o ímpeto de Trump em defender alguns que participaram nas manifestações supremacistas em Charlottesville tem de ser visto como um reflexo da sua atitude perante as questões raciais.

“Ele pode sentir-se particularmente confortável a expressar-se em linguagem racista”, diz Michael Fauntroy, cientista político da Universidade de Howard que escreveu Republicans and the Black Vote. “Creio que há algo na sua personalidade que o leva a dizer coisas irracionais. Mas a explicação mais benévola para o seu comportamento é que se sente muito confortável com racistas à sua volta.”

Alguns republicanos condenaram a decisão de Trump de equiparar os manifestantes de esquerda aos neonazis armados que empunharam tochas e marcharam pelo campus da Universidade da Virgínia no passado fim-de-semana. Mas mesmo os que criticaram veementemente o Presidente se abstiveram de questionar as suas crenças em matéria de raça.

“Há muito calculismo político por trás dessas declarações”, afirma Fauntroy. “Que hão-de eles dizer? ‘O líder do nosso partido utiliza termos racistas ou sente-se confortável com o racismo, mas há trabalho a fazer, portanto vamos simplesmente ignorar isso’?”

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Protesto contra a manifestação de extrema-direita na Virginia e as declarações de Trump Hannah McKay/REUTERS

Ocasionalmente, figuras do Partido Republicano têm-se manifestado contra as insinuações raciais de Donald Trump. No ano passado, quando Trump afirmou que um juiz federal de ascendência mexicana decidira contra ele por ser “mexicano”, o congressista do Wisconsin Paul Ryan, porta-voz da Câmara dos Representantes, disse que tal afirmação era “a definição de dicionário de um comentário racista”. Mas tal não fez com que Ryan retirasse o seu apoio à candidatura de Trump.

Trump “não é racista”, assegurou King, o promotor de boxe. “É um realista e um cavaleiro numa armadura resplandecente, enviado por Deus. Prometeu criar todo um novo sistema. E quando ele acabar com o velho sistema, que inclui as indignidades do supremacismo branco, também essa doutrina cairá com o sistema. Continuo a adorar Donald Trump.”

A canção de Woody Guthrie

As quatro décadas de Trump sob o escrutínio da opinião pública começaram com um processo por discriminação contra o jovem Donald e o seu pai, o empreiteiro nova-iorquino Fred Trump.

Durante décadas, o império imobiliário de Trump foi conhecido em Brooklyn e Queens por se destinar principalmente a brancos. Em 1952, um dos inquilinos de Trump, o lendário cantor de folk Woody Guthrie, revoltou-se contra o panorama completamente branco do complexo residencial de 1800 apartamentos em que vivia escrevendo uma canção, O Velho Trump, que começa assim: “Suponho que o Velho Trump saiba quanto ódio racial cozinhou nesse caldeirão de sangue de corações humanos quando traçou essa linha de cor aqui na sua urbanização de Beach Haven.”

“Beach Haven é a Torre de Trump / Onde não há negros a vaguear”, continua a canção.

Quando Fred Trump entregou ao filho a liderança dos negócios da família, foram alvo de uma investigação pela Comissão de Direitos Humanos municipal, na qual os investigadores tentaram alugar apartamentos de Trump. Ao candidato branco foi imediatamente oferecida uma habitação; ao candidato negro foi dito que não havia nada disponível.

O município proibiu o arrendamento nesse complexo de Trump, e o Departamento de Justiça deu seguimento ao caso, apresentando em 1973 uma queixa contra pai e filho, acusando-os de “recusarem alugar e negociar arrendamentos a cidadãos negros”. Funcionários de Trump afirmaram que tinham sido instruídos a assinalar as candidaturas a arrendamento de negros com a letra C, que significava “de cor”.

Donald Trump, à altura com 27 anos, assumiu a defesa da família. Sob a tutela de Roy Cohn, o advogado nova-iorquino que trabalhara para o senador Joseph McCarthy durante a “caça às bruxas” anticomunista dos anos 50, Trump contra-atacou, processando o Governo e acusando o procurador, que era judeu, de conduzir um “interrogatório ao estilo da Gestapo”. O juiz rejeitou sumariamente as pretensões de Trump. O caso acabou com um acordo judicial.

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Protesto esta semana junto à Trump Tower, em Nova Iorque ALBA VIGARAY/EPA

Mas Trump não hesitou em enveredar por outras controvérsias raciais durante a sua carreira.

Em 1993, testemunhando perante um comité do Congresso que investigava o jogo nas reservas índias, Trump perguntou se os membros da tribo que explorava um casino que fazia concorrência aos seus negócios em Atlantic City eram mesmo nativos-americanos. “A mim não me parecem índios”, disse.

Mas alguns anos depois, num período em que se assumia como um Democrata militante que não raras vezes exprimia opiniões liberais, Trump atacou o candidato presidencial Pat Buchanan, do Partido da Reforma, pela maneira como este se referira a “judeus, negros, gays e mexicanos… ele quer dividir o nosso país.”

E em 1995, ao inaugurar o seu resort em Mar-a-Lago Club, na Florida, Trump deu, de forma incisiva, as boas-vindas a judeus, negros e casais homossexuais, minorias que durante muito tempo enfrentaram restrições noutros clubes sociais de Palm Beach.

A "vantagem" dos negros

Mas quem trabalhou durante muito tempo com Trump diz que ele também tem um histórico de comentários rudes e estereotipados sobre minorias étnicas. John O’Donnell, que foi presidente do Trump Plaza Hotel and Casino em Atlantic City, afirmou que Trump culpava os negros pelos seus problemas de tesouraria.

“Tenho contabilistas negros no Trump Castle e no Trump Plaza – tipos negros a contarem o meu dinheiro!”, disse Trump, segundo O’Donnell. “As únicas pessoas que quero a contar o meu dinheiro são tipos baixinhos que usam solidéus todos os dias… A preguiça é uma característica dos negros. É mesmo, acredito que sim. Não é algo que consigam controlar.”

Trump negou ter feito tais afirmações, mas também já chegou a dizer que “as coisas que O’Donnell escreveu sobre mim são provavelmente verdade.”

Em 1989, depois de uma banqueira de investimento de 28 anos ter sido violada, espancada e deixada à sua sorte enquanto corria no Central Park, foram presos cinco rapazes adolescentes, quatro negros e um hispânico.

Duas semanas depois, Donald Trump comprou anúncios de página inteira nos quatro jornais da cidade: “Tragam de volta a pena de morte”, exigiu, contrariando o pedido do mayor Ed Koch para refrear o ódio numa cidade apavorada. “Eu quero odiar estes bandidos e assassinos. Deviam ser obrigados a sofrer e, quando matam alguém, deviam ser executados”, escreveu.

Quando o reverendo Al Sharpton, famoso activista negro, acusou o anúncio de “incitar ao preconceito”, Trump negou que a raça tivesse algo a ver com o seu clamor por retaliação.

Pouco depois, Trump falou na televisão sobre os negros nos EUA: “Em termos de mercado laboral, um negro com muitas qualificações tem uma tremenda vantagem sobre um branco na mesma situação”, disse. “Já o disse antes, até sobre mim próprio, que se estivesse agora a começar a carreira adoraria ser um negro qualificado, porque acredito que eles têm mesmo uma vantagem real.”

Em 2014, os Cinco de Central Park viram as suas condenações anuladas quando um criminoso reincidente confessou o crime e apresentou uma correspondência de ADN que provou ser ele o violador. O município pagou aos cinco homens 41 milhões de dólares para que retirassem o processo por prisão ilegal, mas Trump chamou a esse pagamento “o roubo do século” e “um escândalo”, disse que por ele não lhes daria um cêntimo e reafirmou que não tinha nada por que pedir desculpa.

Uns meses após a violação do Central Park, Trump foi questionado sobre os rumores que apontavam para uma eventual candidatura sua a governador do estado de Nova Iorque. “Conseguem imaginar-me a concorrer a um cargo público?”, respondeu. “Não acham que sou um bocado controverso para isso?” Exclusivo PÚBLICO/Washington Post

 

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