Racismo em português

Trabalhos de investigação recentes, como o livro Racisms — From the Crusades to the Twentieth Century, do historiador português Francisco Bethencourt (Princeton University Press, 2013), rejeitam a ideia de racismo como um fenómeno inato partilhado por toda a humanidade. “O racismo é relacional e muda ao longo dos tempos”, escreve Bethencourt na introdução. “Não pode ser totalmente compreendido através de estudos segmentados sobre períodos curtos, regiões específicas ou vítimas muito conhecidas — como os negros ou os judeus.”

A tese que guia o seu longo trabalho (são mais de 400 páginas num livro de grande formato) é a de que, ao longo da história, o racismo — entendido como preconceito étnico conjugado com acção discriminatória — foi sempre “motivado por projectos políticos”.

Desde o século XV que há na Península Ibérica casos de discriminação e segregação contra mouriscos e cristãos-novos (antes da própria Inquisição), anteriores ao aparecimento da palavra “racismo”, no fim do século XIX. Nessa altura, “racismo” referia-se a teorias e hierarquias raciais. Só nos anos de 1920/30 veio a designar hostilidade contra raças.

Há vários exemplos de “projectos políticos”, como a competição pelas zonas mais privilegiadas das cidades ibéricas e pelos diferentes recursos económicos, sociais e políticos — e “acções discriminatórias” que impedem que os cristãos-novos tenham acesso a ordens religiosas, colégios, universidades, conselhos municipais ou posições de consultores junto do rei. Ou que se vê também, mais tarde, em pleno colonialismo, na forma como os portugueses se relacionam com os africanos, primeiro como iguais (os príncipes eram considerados nobres), e 150 anos depois já como “selvagens sem remédio”.

Em 2015, fomos perguntar — com o apoio da Fundação Francisco Manuel dos Santos — até que ponto persistem as ideias de raça espalhadas por Portugal em cinco das nossas antigas colónias; de que modo as populações dos países colonizados olham para o colonizador e se a versão de os portugueses serem bons colonizadores ainda vinga.

O trabalho, com ideia original de Joana Gorjão Henriques, envolveu vários repórteres fotográficos e multimédia e resultou num livro. Hoje publicamos o último trabalho desta série que foi a grande aposta do PÚBLICO para os 40 anos da descolonização — uma rota da escravatura em cinco países.

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