Quem eram os heróis de Portland (e porque é que Trump esteve calado)?

Três homens impediram que um militante da extrema-direita atacasse duas raparigas no metro de Portland. Dois morreram esfaqueados, um está gravemente ferido. Nos Estados Unidos, multiplicam-se os tributos aos “heróis de Portland”. Trump só reagiu três dias depois.

Foto
Taliesin Myrddin Namkai Meche tinha 23 anos e é recordado por familiares, amigos, estudantes e professores como um jovem "afectuoso". Asha Deliverance/Facebook

Continuam a multiplicar-se os tributos aos três homens que saíram em defesa de duas raparigas, alvo de insultos e ameaças, numa carruagem do metro de superfície de Portland, estado norte-americano do Oregon. Dois deles, Taliesin Myrddin Namkai Meche e Rick Best, foram mortalmente esfaqueados. O terceiro, Micah Dave-Cole Fletcher, encontra-se hospitalizado em estado grave. O agressor, Jeremy Christian, um militante de extrema-direita com antecedentes criminais, entretanto detido, golpeou os três homens na garganta.

As duas raparigas alvo do ódio do extremista escaparam ilesas. Uma negra, outra com vestes islâmicas, tinham ouvido insultos islamofóbicos e racistas, tinham ouvido que não tinham lugar nos Estados Unidos. Entretanto, uma delas veio a público agradecer o sacrifício de três homens desconhecidos.

“Só vos quero dizer obrigado, vocês que arriscaram a vida por mim, porque nem sequer me conheciam e acabaram por perder a vida por mim, pela minha amiga e pelo nosso aspecto”, disse Destinee Mangum, norte-americana de 16 anos, a uma filial da Fox no Oregon.

Para já, desconhece-se a identidade da segunda rapariga. Ambas pedem privacidade após o incidente da noite de sexta-feira.

Entretanto, e por todo o país, continuam a ter lugar vigílias e cerimónias de homenagem a Meche, Best e Fletcher, três heróis sem capa, como dizia Ellie Eaton, uma activista citada pelo jornal Oregonian.

Repete-se também a publicação de perfis das três vítimas. Sabemos agora que Meche, de 23 anos, trabalhava na empresa de consultoria Cadmus Group. É recordado por antigos colegas e professores do Reed College, universidade onde se formou em Economia, como alguém “atencioso, humilde, inteligente, curioso e afectuoso”. Amante de basquetebol e campismo, era conhecido por ajudar os colegas nas aulas.

“Viveu uma vida alegre e preenchida. (…) Era irredutível na sua conduta e no respeito por todas as pessoas. No seu derradeiro acto de bravura, manteve-se fiel àquilo em que acreditava”, lê-se num comunicado da família citado pelo Oregonian. No Facebook, a mãe escreveu um breve tributo num tom mais íntimo, partilhado já mais de 160 mil vezes: “Estrela cintilante, amo-te para sempre”.

Ainda no Oregonian, os amigos recordam um jovem que tinha sempre a porta aberta para acolher quem visitava Portland.

Rick Best, de 52 anos, era um veterano das Forças Armadas que esteve no Iraque e no Afeganistão. Era pai de quatro filhos e, após 23 anos no exército, regressara à vida civil para trabalhar para a autarquia de Portland. Em 2014, tinha tentado entrar na política local, concorrendo sem sucesso a um cargo no condado de Clackamas. Recusou qualquer donativo para financiar a campanha.

Fletcher, de 21 anos, continua a recuperar dos ferimentos sofridos no ataque. No fim-de-semana, foi submetido a uma cirurgia para extrair fragmentos de osso cravados nas vias respiratórias. Já não corre risco de vida, mas um dos golpes falhou a veia jugular por milímetros. É estudante na universidade estadual de Portland. Em 2013, venceu um concurso de poesia no liceu. Condenava a islamofobia latente nos Estados Unidos após os atentados de 11 de Setembro. “Permitimos que deixassem uma pegada feia na América que não desapareceu passados 12 anos”, dizia então.

Na noite de sábado, voltou a partilhar um poema no Facebook: “Cuspi no olho do ódio e sobrevivi”.

Sobre o assassino, Jeremy Christian, de 35 anos, sabemos agora que era um militante da extrema-direita, que partilhava mensagens racistas e extremistas no Facebook e que tinha participado em manifestações onde foi filmado a fazer a saudação nazi. Tinha já um cadastro significativo, com condenações por roubo e rapto. Na véspera do ataque de sexta-feira, tinha protagonizado outro incidente na via pública ao arremessar uma garrafa de água contra uma mulher, e tinha sido filmado a insultar tudo e todos numa carruagem do metro de Portland. A polícia não põe de parte a hipótese de Christian sofrer de perturbações mentais.

Entretanto, foram já reunidos cerca de meio milhão de euros em várias campanhas de recolha de fundos para ajudar Fletcher no pagamento das despesas médicas e para auxiliar as famílias das duas vítimas mortais do ataque.

Nas redes sociais e nas ruas, os norte-americanos têm condenado o crime e elogiado as vítimas. No entanto, e três dias após o ataque, o Presidente Donald Trump ainda não tinha vindo a público pronunciar-se sobre o incidente. Fê-lo finalmente, ou alguém em seu nome, esta segunda-feira, através da conta institucional da Presidência no Twitter, e não da conta pessoal.

O silêncio de Trump tinha sido notado por várias personalidades, incluindo o jornalista Dan Rather, que escreveu uma carta aberta ao chefe de Estado, instando-o a falar.

“Dois norte-americanos morreram, deixando para trás família e amigos. Estão a ser velados por outros tantos milhões de pessoas que estão profundamente preocupadas com o que poderá vir a seguir. Espero que possa considerar isto merecedor do seu tempo para tomar nota”, escreveu o repórter veterano numa missiva partilhada mais de 140 mil vezes no Facebook.

Desde o regresso da primeira viagem ao estrangeiro, Trump só tinha tido tempo para tweetar várias vezes sobre a imprensa (que acusa de partilhar mentiras), os resultados das eleições no Montana e as suas propostas para a reforma fiscal e do sistema de saúde. De resto, e até às 18h50 desta segunda-feira (hora de Lisboa), não havia qualquer menção ao ataque de Portland na sua conta pessoal.

Sugerir correcção
Ler 7 comentários