França: Que eleições são estas? A surpresa é a regra

As hipóteses de vitória de Marine Le Pen continuam longínquas. Mas esta eleição faz-se sob uma nova lei.

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François Fillon perdeu a última oportunidade de sair com honra, pessoal e política. Preferiu acusar a magistratura de um duplo "assassínio político", o dele e o da eleição presidencial. "Só o sufrágio universal e não um processo de acusação pode decidir quem será o próximo Presidente da República." Estas palavras foram entendidas como um desafio ao Estado de Direito. Já pouco importa. As presidenciais francesas tornaram-se num permanente "estado de excepção".

Fillon tinha prometido retirar-se no caso de ser constituído arguido. Subitamente nega a palavra. O seu antigo ministro Bruno Le Maire, e também seu concorrente nas primárias, anunciou que abandona a sua campanha. "Creio no respeito pela palavra dada", justificou.

Fillon usou uma frase do general De Gaulle a propósito do Maio 68: "Não me retiro." O Nouvel Observateur descreve a sua imagem na conferência de imprensa com compaixão. Sob a capa de um contra-ataque fulgurante, "revela-se um combatente à beira da depressão", que não acredita no papel que lê. Fala no "suicídio de Fillon". Ele tornou-se "definitivamente no capitão de um barco à deriva".

Na deriva, arrasta consigo a direita francesa, facto de consequências incalculáveis. A direita apostava na desagregação da esquerda e via a vitória ao seu alcance. O seu partido, Os Republicanos (LR) tinha outro objectivo crucial: reafirmar a sua liderança perante a Frente Nacional (FN), de Marine Le Pen. Tudo em vão. "Há um pecado original na campanha da direita: ter mantido Fillon", após a abertura do "Penelopegate". Não o pôde fazer por incompatibilidades entre os seus "barões". Agora é tarde. Estão nas mãos de Fillon. A entrega das candidaturas encerra-se a 17 de Março, dois dias depois da audição de Fillon pelos magistrados. Anunciam-se mais deserções na sua equipa, num horizonte de definhamento.

A sombra de Le Pen

Ao contrário da tradição, François Hollande não se recandidata. O primeiro-ministro, Manuel Valls, líder da ala reformista, perde as primárias para Benoît Hamon, da ala esquerda do PS, que fez uma sistemática obstrução ao governo de que chegou a fazer parte. À direita, tudo parecia radioso. As primárias eliminaram Alain Juppé, o candidato que podia recolher votos no centro e no centro-esquerda, para eleger Fillon, o que se colocou mais à direita para unir o campo conservador e tentar roubar votos a Le Pen.

Segundo as "leis de bronze" da V República, o candidato do centro começa bem nas sondagens para depois ser espremido pela tenaz dos dois grandes blocos. Por isso, a candidatura de Emmanuel Macron era "uma bolha político-mediática destinada a rebentar na fogueira da campanha eleitoral".

Hoje ninguém ri de Macron. Porque os politólogos, embora algo cépticos, fazem uma ressalva: uma candidatura centrista, como a de Macron, só pode vingar na presença de candidatos de esquerda e direita "estruturalmente enfraquecidos", o que é o caso.

A taxa de confiança em Fillon desabou e, dizem as sondagens, tem a apreciação positiva de apenas 17% dos franceses — pior do que Marine Le Pen, com 23%. 64% dos franceses "não gostam" do antigo primeiro-ministro. À esquerda, cresce (discretamente) o número de militantes ou eleitores do PS que não querem votar no programa radical de Hamon. O mesmo pensa, sem dizer, a maioria dos ministros socialistas. Dentro do PS há um cenário "catastrófico": uma segunda volta entre Hamon e Le Pen. O grosso do eleitorado de direita não parece disposto a votar Hamon para barrar o caminho a Marine Le Pen.

A Frente Nacional continua a alargar lentamente o seu eleitorado. Tem agora dois "territórios de missão", os agricultores e os católicos conservadores. Sabe-se que há uma relativa porosidade entre os eleitorados da FN e do LR. Que deslocações de voto se verificarão perante a agonia do candidato Fillon? Favorecerão Macron ou sobretudo Marine Le Pen? É um enigma, que pode ter efeitos futuros.

As hipóteses de vitória de Marine continuam longínquas. No actual quadro das sondagens Macron seria o mais apto para a derrotar na segunda volta. Mas esta eleição faz-se sob uma nova lei: as surpresas são a regra.

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