O Prémio não significa (sempre) a paz

Os Nobel para a negociação de conflitos e os processos de reconciliação estão entre os mais polémicos. Porque o prémio não significa a paz, e ninguém sabe isso melhor dos que palestinianos e israelitas.

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O histórico aperto de mão entre Arafat e Rabin Jerry Lampen/Reuters

Com excepção da Indonésia (potência de ocupação) e da Coreia do Norte (que não respondeu às iniciativas de paz da Coreia do Sul), estes prémios foram sempre atribuídos às duas partes, ao contrário do que aconteceu esta sexta-feira, com o galardão a ir apenas para o Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos.

O Sul sem o Norte da Coreia

2000

Foi um Nobel polémico, atribuído ao pioneiro da chamada “Sunshine Policy”, que defendia a necessidade de interagir com a Coreia do Norte em vez de isolar o país de Kim Jong-il. Quatro vezes candidato à presidência da Coreia do Sul, o chefe de Estado Kim Dae-jung viajou até Pyongyang em 2000, onde se encontrou com o líder norte-coreano e lhe apertou a mão, pedindo que as duas Coreias recordassem o seu passado histórico “doloroso e trágico”. A vontade de negociar com o Norte não agradava a todos e soube-se mais tarde que só terá podido visitar o vizinho depois de lhe entregar milhões em pacotes de ajuda. Kim defendeu sempre os motivos da sua iniciativa. As Coreias continuam tecnicamente em guerra – e as ameaças à paz, com os ensaios nucleares e balísticos do país que Kim Jong-un herdou do pai, não têm parado.

A paz no Ulster

1998

Foi o segundo Prémio do Comité Nobel para o conflito na Irlanda do Norte, mas o primeiro atribuído a políticos e numa fase em que a reconciliação já começava a poder ser festejada. O protestante David Trimble e o líder católico John Hume foram os premiados em reconhecimento dos “esforços em busca de uma solução pacífica” para pôr fim a 30 anos de violência, depois de quase 3600 mortos. Meses antes, em Abril, tinha sido assinado o Tratado de Paz de Belfast (Acordo da Sexta-Feira Santa), selando a trégua e estabelecendo um plano para a governação autónoma da Irlanda do Norte. Prevê ainda a criação de uma comissão de Direitos Humanos e a libertação de presos condenados por terrorismo.

Mais de duas décadas antes, em 1976, o Nobel foi atribuído às activistas norte-irlandesas Betty Williams e Mairead Corrigan, co-fundadoras da ONG Peace Process – o prémio só foi entregue em 1977 porque no ano anterior os membros do comité não encontraram ninguém merecedor.

Timor-Leste

1996

Uma recompensa pela luta de autodeterminação dos timorenses atribuída em simultâneo à diplomacia (e à resistência pacífica) e à luta armada, com a entrega do Nobel ao bispo Ximenes Belo e ao então porta-voz da resistência, José Ramos-Horta, que viria a ser Presidente da República de Timor-Leste, um dos mais recentes países do mundo. Ramos-Horta é hoje representante da ONU para o processo de paz na Guiné-Bissau. O Nobel foi justificado pela luta de ambos “em nome de uma resolução justa e pacífica do conflito” que fez 200 mil mortos ao longo de 24 anos de ocupação por parte da Indonésia. O referendo de autodeterminação seguiu-se, em 1999; a independência só chegou em 2002.

Acordos de Oslo

1994

Poucos prémios Nobel da Paz poderão ser tão polémicos como aquele que foi atribuído ao chefe da OLP (Organização para a Libertação da Palestina), Yasser Arafat, ao primeiro-ministro israelita, Yitzhak Rabin, e ao seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Shimon Peres. Não há nenhum conflito ou processo de paz premiado numa zona do mundo ou país que esteja hoje mais longe da paz do que o conflito israelo-palestiniano. O Nobel recompensou “os seus esforços em nome da paz no Médio Oriente”, um ano depois da assinatura dos Acordos de Oslo, que lançavam as bases de uma autonomia palestiniana. O aperto de mãos entre Arafat (morto em 2004) e Rabin (assassinado em 1995) é um dos mais fotografados da História.

A decisão de premiar Arafat, líder de um grupo de resistência que fazia atentados, raptava e matava gente levou à demissão de um dos cinco membros do Comité Nobel. Quanto a Sharon, ocupou muitos cargos e ainda fez muitas guerras até morrer, em Setembro.

O fim do Apartheid

1993

O Nobel da Paz para Nelson Mandela tornou-se tão consensual que é difícil lembrarmo-nos das voltas da História e de como a resistência ao Apartheid se fez também, e naturalmente, de violência, incluindo ataques bombistas. Mandela é e será para sempre o grande herói sul-africano e recebeu o Nobel com o Presidente Frederick de Klerk pelos esforços conjuntos de reconciliação e por “terem aberto caminho a uma África do Sul multirracial”. Em 1990, De Klerk tomara a decisão de autorizar a liberdade para Mandela, depois de 27 anos de prisão, permitindo assim que o combatente anti-racismo se candidatasse às eleições e chegasse à chefia de Estado, em 1994.

Depois de Camp David

1978

O primeiro Nobel para o conflito israelo-árabe foi atribuído ao Presidente egípcio, Anwar Sadat, e ao primeiro-ministro israelita, Menachem Begin, signatários dos acordos de Camp David. O texto assinado um mês antes do prémio levaria ao tratado de paz entre Egipto e Israel. Em 1977, Sadat fez uma visita histórica a Jerusalém e dois anos depois tornou-se no primeiro líder árabe a assinar um tratado de paz com os israelitas – os dois países continuam em paz, mas Sadat foi assassinado em Outubro de 1981. O Nobel premiou um acordo que “rompeu o gelo que separava os dois povos” depois de 30 anos de guerra.

A retirada do Vietname

1973

Henry Kissinger foi literalmente deixado de Nobel na mão quando o chefe do Partido Comunista norte-vietnamita, Le Duc Tho, recusou o prémio conjunto atribuído pelos acordos de paz de Paris, concluídos em Janeiro de 1973, e que puseram fim ao envolvimento dos Estados Unidos no conflito mas não à guerra. O então secretário de Estado, Kissinger, ainda propôs devolver a medalha, em vão. Dois membros do Comité Nobel demitiram-se. Aproveitando a retirada, o Vietname do Norte intensificou os seus esforços militares e acabou por derrotar o regime pró-americano de Saigão, em 1975.

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