Puigdemont, a nova personagem para manter o drama catalão a girar

O novo dirigente da Generalitat catalã tem a missão de pôr em prática dentro de 18 meses a declaração independentista anulada pelo Tribunal Constitucional de Espanha.

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“Não faremos uma declaração unilateral de independência”, garantiu o novo Presidente da Generalitat AFP/JOSEP LAGO

De Carles Puigdemont, o novo President da Generalitat [Governo] da Catalunha, o mínimo que se pode dizer é que não há dúvidas sobre o seu empenho no nacionalismo catalão. Ao contrário do que acontecia com o seu antecessor, Artur Mas, sobre o qual nunca se calaram as vozes dizendo que a sua conversão tardia às teses soberanistas era mais fruto de oportunismo político do que de convicção política.

Apesar da sua defesa radical do direito à soberania da Catalunha – ao tomar posse, não jurou fidelidade ao rei nem à Constituição de Espanha – Puigdemont assegurou que não vai precipitar-se. “Não faremos uma declaração unilateral de independência”, garantiu, na primeira entrevista após a posse há uma semana. Os 48% de deputados que os nacionalistas têm no parlamento regional não são maioria com força suficiente para isso, reconheceu.

“Vai liderar um governo muito menos personalizado do que Artur Mas, mais plural, com mais protagonistas”, diz ao PÚBLICO Ferran Casas, jornalista do diário catalão Ara. “Mas é um homem de convicções fortes”, acrescenta. “Artur Mas estava muito pressionado pelos outros partidos, como a CUP [Candidatura de União Popular, que exigiu a sua saída]. Puigdemont vai ter mais margem de manobra, não tem de demonstrar nada a ninguém, é independentista de sempre.”

Puigdemont – ou Puigdi, diminuitivo pelo qual é conhecido, diz o El País – é um jornalista de 53 anos convertido à política, ou melhor um jornalista que sempre se moveu nos meios soberanistas. A sua passagem da presidência da câmara de Girona para a Generalitat, em Barcelona, como solução de compromisso para evitar nova ida às urnas na Catalunha, foi um recurso do tipo “jump the shark”, diz o jornalista Rubén Amón no El País – recorrrendo a uma expressão idiomática americana para descrever o artifício dos guionistas quando usam uma cena radical ou despropositada para espicaçar o interesse numa série quando este começa a diminuir.

O novo president, que cursou filologia catalã, iniciou carreira no jornal local El Punt, onde chegou a redactor-chefe, na década de 1980, e em 1994 publicou o livro Cata…quê? Catalunya vista per la prensa internacional. Em 2002, foi convidado para director da Casa da Cultural de Girona. E em 2004 fundou o jornal em língua inglesa Catalonia Today – hoje dirigido pela sua mulher, a romena Marcela Topor. O jornal defende a independência da Catalunha e tem financiamento oficial da Generalitat.

Mas o que o trouxe realmente para a ribalta foi ter sido eleito, em Julho, presidente da Associação de Municípios pela Independência. Esta organização tem-se destacado no apoio às iniciativas soberanistas catalãs, nomeadamente na organização da consulta popular sem valor legal realizada a 9 de Novembro 2014, mesmo depois de o Tribunal Constitucional ter invalidado o referendo sobre a independência.

Puigdemont é conhecido por ter citado o apelo à guerra de Carles Rahola, jornalista catalão fuzilado pelos franquistas no fim da Guerra Civil espanhola: “Os invasores serão expulsos da Catalunha, como o foram da Bélgica, e a nossa terra voltará a ser, sob a República, na paz e com trabalho, senhora das suas liberdades e dos seus destinos. Viva Girona e viva a Catalunha livre!” Fê-lo num âmbito claramente nacionalista – numa reunião da Assembleia Nacional Catalã, a organização independentista que foi a principal oganizadora do referendo de 2014.

Ainda assim, o novo President assegura ter como prioridade o diálogo com Madrid. “Vamos trabalhar com os cenários mais civilizados e racionais”, afirmou. “Se o Governo espanhol se enfiar num bunker perante a questão catalã, os cidadãos é que ficam prejudicados”, afirmou à TV3 da Catalunha. Mas não escondeu que a sua missão é iniciar o processo da “criação do Estado catalão independente sob a forma de República”, num prazo de 18 meses, como consta da declaração aprovada a 9 de Novembro de 2015 pelo parlamento de Barcelona.

A declaração independentista foi prontamente anulada pelo Tribunal Constitucional, dois dias antes do início da campanha para as legislativas de Dezembro. A sentença não fazia referência explícita à possibilidade de os eleitos catalães poderem ser suspensos de funções em caso de desobediência, ou até de a própria autonomia da Catalunha ser revogada, ao abrigo do artigo 155 da Constituição, se o poder legislativo e executivo catalão for em frente com o aprovado nesta declaração. Como parece ser a intenção.

O jornalista Casas acredita que Puigdemont “vai tentar iniciar um diálogo genuíno com Madrid”. Por um lado, o político “acredita nas negociações para obter compromissos”; por outro, “as acções unilaterais ainda não trouxeram nada à Catalunha”.

“Se o Governo espanhol acabar por decidir que a Catalunha não tem sequer direito a ter autogoverno, entraremos num outro cenário, que de momento não queremos considerar”, diz Puigdemont. Mas mantém que o seu objectivo é começar a redigir uma Constituição catalã, na qual mais catalães se possam rever, para que, num “posterior referendo, uma maioria de cidadãos possa dar o ‘sim’ a um Estado catalão.” com Sofia Lorena

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