Presidente filipino “pagou por assassínios”, diz ex-polícia

Arthur Lascañas assume ter integrado o “esquadrão da morte de Davao”, quando Rodrigo Duterte era presidente da câmara da cidade.

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Arthur Lascañas na conferência de imprensa desta segunda-feira Mark R. Cristino/EPA

O Presidente filipino, Rodrigo Duterte, ordenou, autorizou e pagou por assassínios extrajudiciais quando era presidente da câmara da cidade de Davao, disse no Senado das Filipinas o polícia na reforma Arthur Lascañas.

Admitindo ter sido parte do chamado “esquadrão da morte de Davao”, Lascañas descreveu vários assassínios em que esteve envolvido, incluindo o de um suspeito de rapto morto com a sua mulher grávida, o filho pequeno e o sogro; a morte de um comentador de rádio crítico de Duterte (Jun Pala), em 2003; ou os ataques bombistas contra mesquitas da cidade, dez anos antes, em retaliação contra um ataque a uma catedral católica que terá sido realizado por rebeldes muçulmanos.

“Todos os assassínios que cometemos em Davao, quer tenham [as suas vítimas] sido enterradas ou deitadas ao mar, foram sempre pagas pelo presidente da câmara Rody Duterte”, afirmou Lascañas numa conferência de imprensa organizada por defensores dos direitos humanos. “Quando Duterte tomou posse como presidente da câmara, começámos o que se chamava ‘salvamentos’ de pessoas, pessoas que eram suspeitas de cometer crimes em Davao”, explicou. “Púnhamos em prática as ordens pessoais do presidente Duterte”, garantiu.

Lascañas, que acompanhou as suas declarações com uma confissão depois de ter prestado juramento no Senado, chorou enquanto falava aos jornalistas e contou ter estado envolvido na morte de dois dos seus irmãos. “Eu mandei matar os meus próprios irmãos. Mesmo que acabe morto, estou contente por ter cumprido a minha promessa a Deus e confessado publicamente.”

“Por cada morte, o presidente da câmara Duterte pagava-nos 20 mil pesos [375 euros] e às vezes 50 mil (935 euros) ou 100 mil (1875 euros) ”, disse o homem que se descreveu como uma espécie de braço direito de Duterte na cidade mais importante da ilha de Mindanao.

Duterte, presidente da câmara de Davao durante 22 anos, foi eleito em 2016 para a chefia do Estado com promessas de combate duro à corrupção e ao crime organizado. Entretanto, mais de sete mil pessoas morreram na guerra contra o tráfico de drogas, muitas em execuções extrajudiciais denunciadas por diferentes ONG.

Depois de ter admitido que matou pessoalmente suspeitos de tráfico enquanto era autarca e de prometer amnistiar os polícias acusados de mortes ilegais, Duterte mudou de ideias no fim de Janeiro, ordenando a suspensão da sua guerra ao tráfico e dizendo que 40% dos agentes são corruptos, “tão maus como barões da droga”. A viragem aconteceu por causa da morte de um empresário sul-coreano, raptado por um grupo que incluía pelo menos três polícias.

“Assassínio de carácter”

Em declarações à CNN das Filipinas, o ministro das Comunicações de Duterte, Martin Andanar, disse que as denúncias de Lascañas já foram desmentidas por “numerosas agências independentes”. “O nosso povo está consciente que este assassínio de carácter não passa de um acto político mesquinho”, disse. Organizações de direitos humanos documentaram mais de mil mortes suspeitas em Davao durante os sete mandatos de Duterte.

As declarações de Lascañas coincidem com os relatos de Edgar Matobato, um ex-miliciano que testemunhou numa audiência no Senado em Setembro. Matobato disse na altura que Duterte “despachou” pelas suas próprias mãos um funcionário do Ministério da Justiça e “mandou assassinar” centenas de pessoas. No seu testemunho, implicou Lascañas, que um mês depois negava tudo na câmara alta do Parlamento filipino. Agora, diz, decidiu pôr fim à sua “obediência e lealdade” ao chefe de Estado.

Há anos que Duterte é acusado por organizações de direitos humanos de financiar esquadrões da morte em Davao. Em 2009, a Human Rights Watch divulgou um relatório onde denunciava ligações directas entre os esquadrões da morte e membros da autarquia e da polícia da cidade, apelando ao Governo para desmantelar estes gangues de vigilantes organizados.

O senador Antonio Trillanes, um dos principais opositores de Duterte, recebeu Lascañas e esteve presente na conferência de imprensa do ex-polícia, onde disse que vai pedir uma investigação do Senado. O director da ONG Grupo de Assistência Legal Gratuita, Jose Manuel Diokno, prometeu fazer “todos os possíveis para assegurar que todos, do posto mais alto até ao mais baixo, prestem contas”, apelando a mais arrependidos para testemunharem.

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