Porque é que os EUA querem bombardear duas pequenas ilhas do Pacífico?

Treinar nas Marianas do Norte para um possível confronto com a China é o objectivo. A população lançou uma petição para que Obama trate do assunto pessoalmente.

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Exercício de tropas americanas: EUA querem treinar capacidades no Pacífico ARMEND NIMANI/AFP

O Pentágono quer tornar duas minúsculas ilhas palco de ensaio de uma guerra no Pacífico.

Bombardeando Pagan e Titian, nas Marianas do Norte, como se fossem inimigos a obliterar da face da Terra, treinará invasões com navios e aviões e fogo real num cenário no qual não tem um conflito desde os tempos da Guerra da Coreia. Mas, apesar de remotos, estes territórios no meio do mar são americanos – e não gostam da ideia de serem invadidos e destruídos pelo exército dos EUA. Estão a resistir com uma petição online, na esperança de alcançar números suficientes para que Barack Obama se veja obrigado a tratar da questão pessoalmente.

Estas duas ilhas fazem parte das Marianas do Norte, um arquipélago de 14 ilhas entre o Havai e as Filipinas, que desde 1976 se uniu politicamente aos Estados Unidos. O chefe de Estado desta nação que tem 2,5 vezes o tamanho da cidade de Washington D.C. é também Barack Obama, segundo o World Fact Book da CIA, e os seus cidadãos são americanos.

Algumas das ilhas são vulcânicas, como Pagan, onde não vive uma população permanente desde que um dos seus dois vulcões entrou em erupção, em 1981. São rodeadas de recifes de coral, que formam ecossistemas raros e frágeis, e nelas habitam várias espécies protegidas, como grandes morcegos-da-fruta, aves, lagartos e caracóis.

É neste cenário dos mares do Sul que o Pentágono está a propor construir campos de treino com fogo real “para reduzir as actuais deficiências de treino” do Comando do Pacífico, lê-se no estudo de impacto ambiental do projecto dos militares americanos tornado público em Maio, e que está a consulta pública até 3 de Agosto. O último assalto dos marines a uma praia, em situação de combate, foi há 65 anos, na invasão da Península de Incheon, na Coreia, recorda o Los Angeles Times.

Vários estudos provam a necessidade de criar estes campos para “manter, equipar e treinar forças de combate e humanitárias no Pacífico Ocidental”, diz o documento, e as Marianas do Norte, que foram um ponto estratégico durante a II Guerra Mundial, foram identificadas de novo como um território crucial no novo foco de interesse dos Estados Unidos na Ásia, na intenção de se estabelecer regionalmente como um contrapoder em relação à China.

Invasão na praia
Centenas, se não milhares de marines americanos, a que deveriam juntar soldados japoneses, australianos e da Coreia do Sul, participariam em exercícios conjuntos para simular ataques a terra vindos do mar, com bombardeamentos navais, helicópteros, drones, jactos e talvez B-52 a lançar bombas verdadeiras, sublinhou o diário de Los Angeles.

As praias idílicas de areias negras nunca mais seriam as mesmas. O próprio estudo de impacto ambiental reconhece que a construção destes campos de treino com fogo real terá impactos consideráveis a vários níveis: sobre a vida selvagem e sobretudo sobre as espécies em risco, sobre habitats de coral, sobre zonas históricas e patrimoniais, sobre a paisagem, sobre recursos marinhos… Até sobre o espaço aéreo da ilha Titian e sobre o seu aeroporto.

“Estas pequenas ilhas não podem ser a única alternativa”, disse ao jornal britânico The Guardian Juanita Mendiola, uma residente das Marianas do Norte. “Não há justificação para tomar militarmente pequenas ilhas com muito poucos recursos e destruí-las”, afirmou.

Os militares americanos justificam-se dizendo que estas duas ilhas, onde na II Guerra houve uma base japonesa, são as únicas que têm praias suficientemente grandes para fazer grandes manobras anfíbias. “É uma oportunidade perfeita para nós”, disse ao LA Times Craig Whelden, director executivo das forças dos Marines no Pacífico. “Também é uma linda ilha com algumas espécies em risco. Protegê-las-emos como se fossem nossas.” E na verdade são, pois para todos os efeitos é território americano.

Os 46,6 km quadrados de Pagan, que os EUA dão como totalmente desabitada deste a erupção de 1981, seriam completamente ocupados pelo exército americano. Mas a ilha, que foi habitada desde o século XIV, disse o autarca com responsabilidade sobre o território ao Guardian, ainda hoje é cultivada por algumas das cerca de 50 famílias evacuadas na altura da erupção, embora não vivam lá permanentemente. Quanto a Titian, a proposta é que cerca de dois terços da ilha de 26 km quadrados seriam transformados em campos de batalha pelo menos 16 semanas por ano, reduzindo os cerca de 3000 habitantes a um terço da ilha.

Mais de 100 mil assinaturas
A petição online lançada no site Change.org por habitantes das Marianas do Norte com o apoio do jornal local Seipan Tribune tem por objectivo travar a transformação das ilhas num palco de jogos de guerra. O objectivo era conseguir 100 mil assinaturas para apresentar uma petição formal à Casa Branca – o Presidente trata directamente de qualquer petição que tenha mais de 100 mil assinaturas que seja enviada à sua residência oficial. Até ao momento de publicação deste artigo, a contagem ia já em 113.396 e o novo objectivo era alcançar os 150 mil apoios.

Alguns dos habitantes das Marianas do Norte querem continuar a apostar no turismo, e os interesses dos militares tornam isso impossível. Outros gostariam de voltar a viver permanentemente em Pagan. O exército americano diz que isso é demasiado perigoso, e garanteque a maior parte dos efeitos dos exercícios podem ser “mitigados”, e sublinha os efeitos benefícios que a construção de bases militares trará para a economia local.

Mas o movimento de oposição local é muito forte, relata o LA Times. “O que é que eles não conseguem entender?”, perguntou Arnold Palacios, líder do Senado das Marianas do Norte, sobre os Marines. “O povo está a dizer não. Mas eles continuam sempre a dizer: ‘Queremos bombardear.’”

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