Polónia: de cabeça de cartaz da democracia a deriva autoritária

A deriva autoritária na Polónia e na Hungria é relevante para todos os cidadãos europeus.

A Polónia foi a pioneira da democracia na Europa Central e Oriental, mas no sindicato Solidariedade sempre existiu uma ala nacional católica, que via com grande desconfiança e mesmo pessimismo o liberalismo europeu. Foi desta clivagem que nasceu, em 2001, o partido Lei e Justiça. É desta politicizada divisão que Jaroslaw Kaszynski deriva o seu poder, e vai ser a ela que recorrerá para o manter.

Ora a Polónia, o maior e mais ambicioso dos países da Europa Central e Oriental, está de novo sob o governo nacionalista (governo e Presidente) do partido de Jaroslaw Kaszynski Lei e Justiça. Em poucas semanas, desde a sua tomada de posse, este governo tenta enfraquecer fatalmente o Tribunal Constitucional e adoptou uma lei que limita severamente a liberdade de imprensa. Da sua ideologia nacional católica faz parte a ideia de que a transição pactuada de 1989 foi uma fraude que permitiu aos comunistas manterem o poder, e que deve haver uma refundação constitucional, a IV República. O PiS contesta, pois, a legitimidade das instituições democráticas estabelecidas em 1989 e renegociadas na Constituição de 1997. Do seu programa de 2005 fazia parte um novo projecto de Constituição que começava com uma invocação a Deus como legislador supremo, uma prática constitucional abandonada no século XIX.

Não é de espantar pois, que esta deriva autoritária, já ensaiada entre 2005-2007 quando governou a Polónia, tenha chegado de forma tão célere. Da ideologia do PiS também faz parte uma atitude de desafio à cultura urbana, liberal, cosmopolita que europeizou Varsóvia e os jovens polacos de forma acelerada. Jaroslaw Kaszynski diz que os seus críticos são “vegetarianos e ciclistas” que nada têm a ver com a cultura polaca. Em 2007 cancelou a cimeira do Grupo de Weimar (com a Alemanha e a França), depois de um jornal satírico alemão Tageszeitung o ter satirizado.

A rápida reacção da Europa também não é de espantar. A importância estratégica e política da Polónia é muito superior à da Hungria e o PiS, ao contrário do FIDESZ de Viktor Órban na Hungria, não está alinhado no Parlamento Europeu com o grande grupo cristão democrata, o Partido Popular Europeu (PPE), e essa diferença pode ajudar a compreender a celeridade com que a Comissão Europeia está a actuar na activação do mecanismo para garantir o Estado de Direito. Elmar Brok o presidente alemão do PPE, declarou ontem à Spiegel que “com Órban podemos dialogar, com Kaczynski não”, mas acrescentou que “conhecendo Jaroslaw Kaszysnki seria contraproducente que a Alemanha tome uma posição de liderança nesta matéria”.

Resta dizer que os cidadãos e as instituições polacos estão eles próprios a reagir contra as medidas autoritárias do governo. O Tribunal Constitucional repudiou a lei do governo (mas a sua decisão terá de ser publicada pelo Presidente Duda do PiS). As instituições e os cidadãos estão, pois, a mostrar maior resiliência que os seus congéneres húngaros, prestando tributo ao forte pluralismo que se desenvolveu no país desde a revolução do Solidariedade no Verão Quente de 1980.

Também os cidadãos e os governos de toda a Europa se devem juntar às instituições europeias na mobilização contra a deriva autoritária na Europa Central e Oriental. Os governos da Polónia e da Hungria são co-legisladores nas instituições europeias. A deriva autoritária nestes países é por isso relevante para todos os cidadãos europeus. O falhanço em actuar será mais um sinal do declínio da Europa.

Investigadora IPRI-UNL

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