Podem ficar com as alianças

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1. A Dinamarca aprovou uma nova lei que permite confiscar aos refugiados o dinheiro e as jóias que trazem com eles. Cada pessoa pode ficar com 1.340 euros e algumas jóias de valor sentimental. “Podem ficar com as alianças”, diz a ministra responsável pela imigração, Inger Stojberg. Sobre o que fará com as jóias, uma das opções seria um “leilão público” do ouro, disse ontem ao EUobserver. A lei fixa em três anos o período em que os refugiados não podem trazer a sua família próxima, que ficou para trás, sejam quais forem as circunstâncias. No Yad Vashem de Jerusalém, um barco de pesca representa o agradecimento dos judeus aos dinamarqueses, que salvaram milhares de judeus através do mar. O Governo é liderado pelo partido de direita liberal, o terceiro nas eleições do Verão de 2015, a seguir aos sociais-democratas (que ganharam mas não conseguiram formar governo por falta de aliados) e ao Partido do Povo, anti-imigrantes, de cujo apoio parlamentar dependem. A lei (ainda) causou uma onda de indignação na Europa, lembrando o que os nazis fizeram aos judeus, não porque qualquer coisa de semelhante ao Holocausto possa acontecer, mas porque os sintomas desta crise europeia trazem à memória os demónios que assolaram a Europa há mais de 70 anos. A humilhação sofrida por gente que chega a um destino seguro, depois de uma caminhada infernal, e que vê a polícia remexer nas suas coisas, é uma imagem que preferíamos não ter diante dos olhos.

A lei dinamarquesa é uma medida extrema que antecipa uma nova realidade política que se generaliza na Europa: os grandes partidos europeus estão a perder terreno eleitoral para as forças xenófobas e nacionalistas, e o único caminho que vêem à frente é adoptar pelo menos parte da sua agenda política. A Dinamarca não é caso único ainda que seja um caso extremo. Na Holanda funciona há algum tempo um sistema idêntico, embora em condições bastante diferentes. Aplica-se a refugiados que já estão a trabalhar e que devem entregar 75% do salário para pagar as suas despesas nos sítios de acolhimento. Na Alemanha, dois Lander, Baviera e Baden-Wurttenberg, discutem essa possibilidade.

2. Na segunda-feira, os ministros europeus da Justiça e Assuntos internos reuniram-se informalmente em Amesterdão para debater a crise, que o Inverno não travou como esperavam, tendo em atenção a cimeira de Fevereiro. Já se sabia que ninguém se entende e que estamos a assistir a uma estranha corrida para o fundo, para ver quem é mais dissuasor. No entanto, saiu da reunião uma tendência clara para utilizar a última reforma de Schengen (Verão de 2012), que prevê a possibilidade, em casos excepcionais, de reerguer os controlos fronteiriços até dois anos, renováveis de seis em seis meses. Se a ideia vingar, só mesmo um ingénuo acreditará que, findos os dois anos, os países europeus vão levantar as fronteiras. Esta medida, se for adoptada, será obviamente o fim de Schengen.

O segundo triste sintoma de fim de festa em Amesterdão foram as ameaças à Grécia por não conseguir impedir que os refugiados na Turquia cheguem a território europeu. Ouviram-se os argumentos mais absurdos, entre os quais a Grécia, que dispõe de uma poderosa força naval, pode e deve impedir os barcos que vêm da Turquia de chegar às suas ilhas. Pergunta: deixar que se afoguem? Os gregos, sujeitos ao terceiro resgate, atravessando dificuldades enormes, já gastaram 2 mil milhões de euros com os refugiados, enquanto a troika lhes diz para cortarem no défice.

É este mundo de pesadelo que está a matar a Europa. A única questão é saber se já chegámos ao ponto de não retorno. 

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