Pode um atentado terrorista mudar os resultados das eleições francesas?

A hipótese de um acto terrorista modificar o resultado de uma eleição é marginal e incerta.

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1. Pode um ataque terrorista determinar o resultado das eleições francesas? Em pouco mais de dois anos o terrorismo jihadista fez 239 mortos em França. “Os dramáticos atentados terroristas em 2015 e 2016 permitiram melhorar a resiliência das populações”, escreve o jurista e historiador militar Cédric Mas, que publicou há dias um estudo sobre o tema. Dizem os especialistas do terrorismo que o primeiro limite do terror está no facto de o “inimigo designado” ter a liberdade de escolher a sua resposta. O terrorista visa provocar reacções desmesuradas ou uma repressão indiscriminada para, a partir delas, mobilizar adeptos e fazer propaganda. O atentado dos Campos Elísios coloca os franceses perante uma opção entre a inteligência e a ansiedade.

O atentado, realizado durante um debate eleitoral, perante milhões de pessoas e a praticamente dois dias do voto, obedece ao padrão tradicional: se a organização terrorista não tem meios para agir sobre um Estado ou uma sociedade, uma acção pontual e de pequena dimensão pode provocar um extraordinário efeito, graças a uma projecção mediática mundial. Basta olhar as primeiras páginas da imprensa francesa e internacional. O assassínio de um polícia nos Campos Elísios tem cem vezes mais visibilidade do que cem massacres em Cabul ou Bagdad.

Houve anteriormente massacres em Paris e Nice. Tinham um desígnio evidente. O Daesh convidava o Estado a uma resposta desmesurada contra as comunidades muçulmanas, cortando as pontes entre elas e as sociedades europeias. Resumiu Gilles Kepel, especialista do islão: “O Daesh procura desencadear uma guerra civil em França.” Diga-se que os jihadistas, pelo menos a curto prazo, falharam rotundamente tal objectivo.

2. O atentado de quinta-feira tem outra faceta. Desta vez, o Daesh não faz um massacre, assassinou um polícia. Foi na terminologia dos especialistas um acto terrorista “low cost”, de execução difícil de prevenir e extremamente certeiro no tempo: o debate eleitoral. Mas tem um reverso: a forma e a dimensão do atentado revelam um enfraquecimento da capacidade operacional do Daesh em França, efeito provável da eficácia da prevenção antiterrorismo.

Por isso a mensagem enviada aos eleitores é clara: “O Estado não vos consegue proteger.” Tenta demonstrar algo que os franceses há muito interiorizaram: o terrorismo pode ser eficazmente combatido, mas não é possível prevenir todos os atentados. Não há risco zero, nem segurança a 100%. O terrorismo foi um dos temas da campanha eleitoral, logo a seguir ao emprego, e os eleitores terão já formado a sua opinião sobre a política de segurança.

Mas há outro factor: todos os actos terroristas provocam no imediato um sentimento de ansiedade. Mais do que material, o efeito do terrorismo é principalmente emocional. Demora sempre a ser “digerido”. E é por esta razão de “proximidade” que poderá reflectir-se no voto de amanhã. O objectivo do Daesh é favorecer as posições mais radicais contra o islão. Os candidatos eventualmente beneficiados assumirão uma pesada responsabilidade política, se explorarem o choque do atentado.

As presidenciais francesas, as eleições do “tudo pode acontecer”, passam assim por mais um episódio dramático.

3. O referido estudo de Cédric Mas, “Un attentat térroriste peut-il changer de resultat d’une élection?”, baseado na leitura de uma vasta bibliografia, parte de uma constatação inicial: “A hipótese de um atentado terrorista modificar os resultados de uma eleição é marginal e incerta.” Deixando de lado casos como o da Palestina ou de Israel, da Espanha ou da Irlanda do Norte, aproveito as observações mais próximas da actual situação francesa.

“Para que um atentado terrorista modifique o resultado de eleições, será necessário que os eleitores sejam individualmente poucos resilientes aos actos terroristas; ou que o partido favorito antes do atentado seja desacreditado ou desmentido pela realização do acto terrorista. Estas duas condições estão longe de estar preenchidas na França de 2017.” Recorda, entre vários casos, o assassínio do político holandês Pim Fortuyn, em 2002, a nove dias das eleições, que em nada alterou a votação prevista nas sondagens.

Cédric Mas evoca, no entanto, a probabilidade de “efeitos políticos subterrâneos” a longo prazo. “Se um atentado terrorista tem poucas hipóteses de modificar o resultado de uma eleição, a ameaça terrorista influencia a longo prazo os votos dos cidadãos. (...) Os atentados terroristas influenciam os diferentes escrutínios no país vítima, colocando no coração dos debates temáticas políticas tradicionalmente associadas à direita (segurança, controlo policial e ordem). A influência da ameaça terrorista é portanto uma ‘direitização’ progressiva.”

Na conclusão, faz uma ressalva que traduz a complexidade e o carácter escorregadio da situação francesa: “O contexto actual, muito particular e imprevisível, das eleições presidenciais e legislativas de 2017 enfraquece a capacidade de resiliência do país, se tiver de ser confrontado com um novo atentado.” Por outras palavras: a extrema volatilidade das opiniões torna os eleitores “mais influenciáveis por um atentado e pela reacção do Governo e dos media”. Prevê, como norma, uma maior afluência à urnas.

O autor tem uma opinião clara sobre a estratégia “eleitoral” do Daesh que confirma o que em geral se tem escrito. A polarização da sociedade francesa contra os muçulmanos é um dos objectivos políticos do Daesh. “Tem portanto todo o interesse em que ganhem as eleições francesas aqueles partidos que propõem a maior firmeza, recusando qualquer finura na análise e na resposta à ameaça terrorista, ou que praticam a amálgama entre jihadistas e muçulmanos.”

4. Este é um texto sem conclusão. É provável que o Daesh tente voltar a atacar. Golpear a França durante as presidenciais é uma tentação e com um alto grau de simbolismo. “Eles gostam de provocar estragos e mortos desde que isso tenha uma carga simbólica”, diz o analista François Heisbourg. O seu trabalho é aterrorizar. E aterrorizar não é apenas intimidar. É — repita-se — um convite a reacções contraproducentes ou desesperadas.

Mas a reacção dos franceses não está nas mãos do terrorismo islâmico. E, para o bem ou para o mal, são eles que a vão dar no domingo, nas urnas. O Daesh não tem direito de voto. 

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