Acusação contra tesoureiro do Vaticano por crimes sexuais aumenta pressão sobre o Papa

Francisco autorizou cardeal Pell a regressar à Austrália para responder a acusações, num caso que vai testar a sua determinação no combate aos abusos na Igreja.

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Pell garant que vai "limpar o seu nome e regressar ao trabalho" Tony Gentile/Reuters

A notícia de que o cardeal australiano George Pell, terceira figura da Cúria romana, foi acusado de crimes sexuais aproxima como nunca antes o escândalo de abusos de menores do Vaticano, e coloca o Papa Francisco sob pressão para mostrar até que ponto irá cumprir a promessa de ter “tolerância zero” com os padres pedófilos ou com aqueles que os encobriram.

As suspeitas sobre Pell – nomeado pelo Papa em 2014 para chefiar a recém-criada secretaria para a Economia – foram conhecidas em Julho, quando a televisão ABC noticiou que ele estava a ser investigado por factos que teriam ocorrido entre as décadas de 1970 e 1990, envolvendo pelo menos oito denúncias. Nesta quinta-feira, a polícia de estado australiano de Victoria revelou apenas que o cardeal terá de responder em tribunal por “múltiplas acusações relacionadas com crimes sexuais antigos”, levantadas por vários denunciantes. Terá de comparecer no próximo dia 18 de Julho num tribunal de Melbourne.

A informação chegou a Roma de madrugada, mas a diocese de Sydney, a que Pell presidiu antes de ser nomeado para o Vaticano, anunciou de imediato que o arcebispo iria regressar à Austrália assim que possível para enfrentar as acusações. Ao início da manhã, numa conferência de imprensa conjunta, o porta-voz do Vaticano revelou que o Papa tinha concedido “autorização ao cardeal para se ausentar, a fim de poder defender-se em tribunal”. Tal como em Julho, Pell disse estar a ser vítima de “uma campanha de assassínio de carácter” e reafirmou a sua inocência. “Estas acusações reforçam a minha resolução e os procedimentos em tribunal vão permitir-me limpar o meu nome e regressar ao trabalho”.

Ao autorizar – ou impor – que Pell se defenda em tribunal, Francisco distancia-se da protecção dada pelos seus antecessores a bispos e cardeais, postos a salvo da justiça pelas muralhas da cidade-Estado – foi assim em 1982 com o arcebispo americano Paul Marcinkus, que Itália queria julgar pelo seu envolvimento no colapso do banco Ambrosiano, e uma década mais tarde com o também americano cardeal Bernard Law que se refugiou no Vaticano quando explodiu o escândalo de abusos sexuais na sua diocese de Boston, recorda a Reuters.

O Papa também já tinha dado mostras que não seria brando com os suspeitos de crimes contra menores. Em 2013, mandou regressar o arcebispo polaco Josef Wesolowski, acusado de abusos sexuais quando era núncio apostólico (embaixador) na República Dominicana. Foi reconduzido à condição de leigo, preso e viria a morrer dias antes de ser julgado por posse de pornografia infantil. Já este mês, o Vaticano pediu a demissão do arcebispo de Paraíba, no Brasil, acusado de ter encoberto padres suspeitos da prática do mesmo tipo de crimes.

Decisões que se juntam a muitas condenações feitas por um Papa que, desde a sua eleição, em 2013, garantiu que “não há qualquer lugar no ministério da Igreja para aqueles que abusam de menores” e criou uma comissão que juntou prelados e vítimas de abusos para ajudar a Igreja a combater “o cancro da pedofilia”.

Mas as organizações que representam as vítimas continuam cépticas, insistindo que quase tudo continua por fazer. Em Março, Marie Collins, a última representante das vítimas na comissão pontifícia, demitiu-se por causa do que dizia ser a relutância da Cúria em cooperar com os peritos. Dois anos antes, um relatório do Comité para os Direitos das Crianças da ONU concluía que a Santa Sé continuava a “não reconhecer a extensão dos crimes cometidos” e permanecia mais preocupada com a sua reputação do que em responder às denúncias.

A pressão será agora maior. Pell é o primeiro responsável com funções na Cúria a ser directamente acusado de abusos, num caso que é especialmente grave tendo em conta as funções que o Papa lhe confiou – além de controlar todas as actividades económicas do Vaticano, é um dos membros da comissão que aconselha Francisco nas reformas em curso.

Em entrevista ao jornal National Catholic Reporter o padre dominicano Thomas Doyle, uma das vozes mais reputadas na forma como a Igreja Católica tem reagido aos casos de abusos sexuais, sublinha que o afastamento temporário do cardeal australiano não é suficiente. “Acho que o Papa tem a responsabilidade de o suspender de funções” e deve “começar a pensar seriamente” em abrir uma investigação canónica às denúncias feitas na Austrália, afirmou.

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