Passado um ano de Syriza, a turbulência regressa às ruas gregas

Governo cumpriu até agora as exigências dos credores, mas não aceita novos cortes nas pensões. Syriza enfrenta terceira greve geral em três meses e uma queda abrupta nas sondagens.

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Manifestação de agricultores em Tessalónica. Algumas ocupações vão aumentar substancialmente as contribuições sociais SAKIS MITROLIDIS/AFP

Os olhos europeus desviaram-se da enfermidade económica grega para se focarem, pelo menos por enquanto, nas bátegas de refugiados que todos os dias chegam às costas do homem doente da Europa. Em condições normais, porém, Bruxelas continuaria o seu já habitual nervosismo sobre o andamento das finanças gregas, mesmo que nos últimos meses o Governo grego tenha disciplinadamente executado as exigências dos credores, a muito custo para a sua imagem: quase exactamente um ano depois do partido de esquerda radical Syriza ter chegado ao poder, a promessa de mudança pela qual foi eleito – e depois reeleito – esbate-se drasticamente.

A contestação política regressa rapidamente às ruas e esse é apenas o primeiro de muitos obstáculos que a coligação do Syriza com os Gregos Independentes terá de enfrentar nos próximos meses. Esta quinta-feira é dia de nova greve geral e o culminar de semanas de protestos contra o plano para reformar o sistema de pensões. O Governo liderado por Alexis Tsipras quer fazer alterações que não agradam aos credores nem à população: aumentar as contribuições sociais dos trabalhadores em 0,5% e 1% no caso dos patrões, ao mesmo tempo que revoluciona o pesadelo burocrático de mais de 900 esquemas diferentes e os reduz a um único modelo.

A troika, que aterrou esta semana em Atenas para a primeira avaliação ao terceiro resgate, diz que isso não chega para atingir o objectivo do corte de 1% do PIB na despesa com pensionistas. Quer nova redução nos valores, mas o executivo recusa-se a fazê-lo. É o seu primeiro grande finca-pé desde que em Julho capitulou ante os credores sob a ameaça de sair do euro, num fim-de-semana alucinante em Bruxelas.

Desde então, aprovou uma reforma ao sistema financeiro que permite entregar casos dos cerca de 100 mil milhões de euros em crédito malparado grego a entidades externas – Tsipras antes chamava-lhes “fundos abutres”. Cumpriu também nas privatizações: vendeu 49% da distribuidora eléctrica nacional e 67% da sua participação no porto de Pireu.

Mas a reforma no sistema de pensões é um assunto delicado na Grécia. Com o desemprego na casa dos 25% – o mais alto na Europa –, grande parte das famílias depende de pensões para sobreviver. No último ano, à volta de metade das pessoas disseram que essa era a sua principal fonte de rendimento. “Não haverá reduções”, garantiu Tsipras no Parlamento. “Uma pensão é o vencimento completo de uma família.”

O Governo enfrenta mesmo assim a ira das ruas. A simplificação do sistema significa que algumas profissões vão ter de pagar o triplo de contribuições, como agricultores e trabalhadores por conta própria. “E pensar que votei no Tsipras e no partido dele”, queixava-se há dias o sindicalista agrícola Yannis Vangos, que, como centenas de outros, passou o primeiro mês do novo ano na estrada, a erguer barricadas de tractores em protesto contra o pleno do Governo. “E pensar que eram a nossa grande esperança. Agora nem os quero ver à frente!”

Fragilidade e turbulência
Vangos e os agricultores não estão sozinhos. Para a greve geral desta quinta-feira juntaram-se várias profissões liberais, como médicos, advogados e engenheiros, também afectados pela reorganização nas pensões. Os jornalistas anteciparam o protesto um dia e não foram trabalhar esta quarta-feira. Se Tsipras venceu as eleições antecipadas convencendo os eleitores de que se bateu com o que tinha contra um inimigo mais poderoso, a sua imagem “quixotesca” – termo repetido por vários observadores – parece desvanecer-se.

As pensões foram sempre uma prioridade para os credores desde o primeiro resgate grego, em 2010. Era então, como agora, o modelo mais caro em toda a União Europeia e o maior símbolo do que os credores dizem ser um sistema de Segurança Social demasiado generoso e, acima de tudo, insustentável. Em cerca de cinco anos, fizeram-se nada menos do que 11 cortes, ao ponto de o valor das pensões cair perto de 30%. O Governo recusa-se a fazer o 12.º corte.

Esta é a terceira greve geral desde as eleições de Setembro. As reformas e as acusações ao Syriza de ter vendido a “alma ao poder” – nas palavras do ex-deputado e dissidente Costas Palavitsas, no jornal Guardian – condenaram o partido e a coligação a uma queda estrondosa de popularidade. As sondagens dão agora vantagem ao Nova Democracia, que há poucas semanas escolheu um novo líder, Kyriakos Mitsotakis, uma figura jovem e carismática à imagem do próprio Tsipras. A última consulta do jornal Proto Thema dá apenas 18% ao Syriza, contra 21,3% da oposição de centro-direita.

A reforma nas pensões não é a única questão preocupante para a Grécia. O Governo tem de encontrar maneira de poupar mais 600 milhões de euros ainda este ano – fala-se de nova subida de impostos para os rendimentos mais altos. Cada medida difícil pode acabar com a frágil maioria parlamentar: a coligação tem apenas 153 deputados num parlamento com 300 lugares, que já disse não estar disposto a aprovar diplomas polémicos, como quando a oposição aprovou o terceiro resgate no Verão passado.

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