Parabéns Donald Trump

Não foi tão mau como temíamos. Mas 100 dias são apenas 100 dias. Em quatro anos, é possível fazer muitos disparates. E erros brutais.

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Este sábado, Donald Trump vai festejar os seus primeiros 100 dias na Casa Branca e por uma vez estou em sintonia com o Presidente. Razões não faltam para celebrar: uma atrás da outra, a maior parte das suas ideias “fantásticas” e “grandiosas” não avançou.

Trump tentou desfazer o Obamacare e não conseguiu. A sua solução “mesmo, mesmo, mesmo boa” para substituir o Affordable Care Act foi para a gaveta. Nem a maioria republicana no Congresso, nem as tácticas de intimidação do Presidente, nem a sua “flexibilidade ideológica” evitaram a derrota.

Trump tentou impor uma proibição preconceituosa, racista e infundada de entrada de muçulmanos estrangeiros no país e não conseguiu. Há uns dias, a sua segunda versão também foi chumbada pelos tribunais, que concluíram que a proposta é inconstitucional.

Trump tentou que o Congresso financiasse o famoso muro ao longo da fronteira com o México e não conseguiu. Queria 1,5 mil milhões este ano e 2,6 mil milhões em 2018, mas o seu “big, beautiful wall” vai ficar para mais tarde. Tentou cortar o financiamento público federal às 200 "cidades santuários" (que não andam à caça de imigrantes ilegais) e esbarrou noutro chumbo judicial. Das dezenas de propostas do seu "contrato" para os primeiros 100 dias, a maior parte não saiu do papel ou foi esmagada.

Esta improdutividade tem, em parte, a ver com o facto de Trump ainda só ter conseguido nomear 10% dos 553 altos funcionários da administração pública, uma média muito abaixo da dos seus antecessores. A máquina não quer mudar e Trump não consegue mudar a máquina. Mas também porque Trump não é, afinal, um negociador tão fabuloso quanto apregoou ser durante a campanha (“ninguém é tão bom negociador como eu”), nem conhece, afinal, o sistema assim tão bem (“ninguém conhece o sistema melhor do que eu, por isso é que eu posso consertá-lo sozinho”).

Trump confirmou o que já sabíamos. Desconhece o conceito “consenso” e é um amador arrogante: achou que chegava a Washington, dava umas ordens e ia jogar golfe (e jogou 14 partidas nestes três meses). Mas além disso, não só não conhece as políticas públicas que quer mudar (como se viu no Obamacare), como não sabe o que se passa no seu partido e no Congresso (soube por um jornalista que o Trumpcare já não ia ser submetido a votação).

George F. Will, que há 40 anos recebeu um Pulitzer pela sua coluna no Washington Post, já lhe deu um nome. Trump é o Presidente “Oh, never mind”. Não liguem: a NATO não é obsoleta. Não liguem: a China não é manipuladora. Não liguem: o NAFTA é renegociável. Não liguem: "Ninguém podia imaginar que a política de saúde pudesse ser tão complicada.” Não liguem: é impossível expulsar 12 milhões de imigrantes ilegais em dois anos (o que implicaria uma média de meio milhão por mês). Não liguem: a dívida pública não vai ser reduzida a zero até 2015. Não liguem: é boa ideia bombardear Bashar al-Assad... Foi também Will quem disse que, ao bombardear a Síria, Trump “passou de candidato a chefe de Estado-Maior das Forças Armadas sem se ter tornado presidencial”.

Seria caso para dizer "parabéns pela incompetência". Mas não há razão para champanhe. Cem dias são apenas 100 dias. Em quatro anos é possível fazer muitos disparates. Alguns já começaram. Sem alarido, o seu “ministro” da Justiça, Jeff Sessions, anunciou que vai travar a reforma da polícia iniciada por Barack Obama na sequência dos incidentes de Ferguson, Missouri — e dos relatórios que identificaram um padrão de abuso de poder policial sistemático. Sem alarido, a nova Administração está a ignorar tudo o que sabemos sobre o ambiente, o futuro do planeta e da energia. Sem alarido, as imagens de poder voltaram aos gloriosos anos 1950. Só se vêem homens e são todos brancos. Disso já não escapamos.

 

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