Os fanfarrões das negociações

Pergunta para resposta rápida sobre o Brexit: quantos dias de negociações decorreram? Um.

O Reino Unido votou pelo Brexit há pouco mais de um ano. Em vez de enviar a notificação oficial de saída da UE no dia seguinte, o Governo britânico esperou nove meses. Uma vez enviada a notificação, as negociações não começaram no dia seguinte. Em vez disso, Theresa May convocou eleições antecipadas para “ganhar mais peso negocial”. Depois de perder a sua maioria absoluta, o governo britânico lá avançou. Pergunta para resposta rápida: quantos dias de negociações decorreram? Um.

Nesse dia, a delegação britânica concedeu imediatamente o ponto que o seu ministro para o Brexit, David Davis, anunciara que seria a sua “batalha para o Verão”: em vez de debaterem em conjunto a saída da UE e um futuro acordo comercial entre esta e o Reino Unido, como queriam os britânicos, ficou claro que primeiro seria preciso discutir os direitos dos cidadãos da UE no Reino Unido e britânicos na UE e, além disso, a quitação de contas entre as partes.

Dado que um acordo é essencial para evitar que a economia britânica caia num buraco, como reagiu o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Sua Majestade, Boris Johnson, à ideia de que seria preciso quitar contas com a UE? “Podem esperar sentados”, disse ele. Segundo o mesmo Boris Johnson, o Reino Unido não precisa de ter um plano B para o caso de não conseguir um acordo com a UE. David Davis, ministro para o Brexit, diz o contrário: “Existe um plano B com algum detalhe para o caso de não conseguirmos acordo”. Theresa May, a primeira-ministra, diz pelo seu lado que “é melhor não haver acordo do que haver um mau acordo”, o que sugere que o Reino Unido está preparado para as consequências de sair sem rede da UE.

Estará? Um exemplo recente sugere que não. Ao enviar a carta que desencadeou o prazo de dois anos até ao Brexit, o Governo britânico deixou claro que não pretendia apenas sair da União Europeia: “Todas as referências à União Europeia devem ser aqui entendidas”, dizia o documento, “como incluindo a União Europeia e o Euratom”. Euratom?! Que raio é isso? Trata-se simplesmente do tratado europeu que regula a cooperação em matérias de energia nuclear entre os países da UE. Tratado vetusto e desconhecido, assinado no mesmo dia do Tratado de Roma, em 1957. Supõe-se que um Governo que deseje sair dele saiba o que significa, certo?

Não. Esta semana os deputados britânicos descobriram com algum escândalo que, fora do Euratom, haveria dificuldades de fornecimento de urânio às centrais nucleares e de material radioativo para os tratamentos oncológicos. O chefe da campanha do Brexit lançou as mãos à cabeça: “Idiotas!”, escreveu num tweet, “a ideia não era sair do Euratom”, logo pedindo aos deputados que garantam que não haverá maioria parlamentar para tal saída.

Lamentavelmente, tanto os deputados como o chefe da campanha esquecem-se de uma coisa: a carta de saída já foi enviada. O relógio já está a contar. Só a emenda ou revogação da notificação de saída da UE permitiria voltar atrás — se o Tribunal de Justiça da UE aceitasse a sua legalidade, o que não é certo.

Enfim. Todos nós ouvimos, nos últimos anos, muita gente perorar sobre “como se fazem negociações”. A partir da arquibancada, parece que não faltam grandes génios das negociações. Ao ouvi-los falar, cheios de referências às “linhas vermelhas” e à “teoria dos jogos”, parece que qualquer negociação é favas contadas, quanto mais não seja pelo facto sempre dado por adquirido de que do outro lado da mesa está por certo uma cambada de idiotas.

Mas a moral da história deu-a Metternich, há duzentos anos: não há pior negociador do que o manhoso nem melhor negociador do que o sincero. Para bem dos nossos povos e países, não confiem nunca em quem não acreditar que uma negociação bem sucedida é sempre um exercício de construção de confiança. Por essa bitola, as negociações do Brexit já falharam no primeiro dia.

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