Os desencantados do sistema

As hipóteses de François Fillon ser o próximo Presidente francês foram ontem reduzidas ao mínimo. Para combater Le Pen e a sua Frente Nacional, resta Emmanuel Macron, o independente centrista.

Envolvido em escândalos de corrupção moral, o candidato da direita francesa pediu ontem desculpa, mas mostrou não ter percebido o essencial. Disse ter entendido que os tempos mudaram, mas se tivesse percebido isso verdadeiramente, então já não estaria na corrida.

Agora vai arder em lume brando até às eleições, a não ser que a pressão seja tão forte que acabe por ser obrigado a retirar-se – o que seria um favor simpático aos princípios do modelo democrático que deveria inspirar os cidadãos a escolher os seus melhores.

Mas não é isso que se vê, e nada alimenta mais os populismos do que estas situações. Este é um cenário perfeito para ser cavalgado por Mme. Le Pen, que pode agora reforçar o fosso entre “nós” e “eles” tendo apenas de apresentar um exemplo: os abusos das benesses públicas de François Fillon. Não é só a direita que sofre, é todo o sistema que é posto em causa por uma candidata que já anunciou ao que vem e que tem na lista de prioridades inverter o modelo de sociedade apoiado na globalização e na democracia liberal.

No caso dos populismos europeus, o crescimento tem sido feito à custa dos muitos erros cometidos pelos principais actores das democracias parlamentares. Não é só a pequena corrupção moral de uma elite que se acha acima da lei e que presume normal pagar 800 mil euros a alguém que abre cartas e organiza papéis, que é a pessoa com quem está casado, nem mais de 80 mil a jovens pré-licenciados, que por acaso são seus filhos.

E se em França o caso é particularmente grave pela dimensão, isso deve-se aos erros acumulados e repetidos dos políticos que viveram à sombra desta democracia liberal que ajudaram a construir. São estas personagens – quase sempre homens, quase sempre com mais de 50 anos, quase sempre instalados no cruzamento entre interesses políticos e de negócios – que representam os “eles” do discurso de Le Pen. E são estes “eles” que o eleitorado de Le Pen odeia, votando nela por isso. Os franceses que vão votar na Frente Nacional não são fascistas, ou muito poucos o serão. Mas são, todos, desencantados do sistema que gera líderes da estirpe do senhor Fillon. E isso não é criticável.

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