Oposição nomeia tribunal paralelo em nova etapa da campanha anti-Maduro

Depois da greve geral de 24 horas, legisladores apresentaram os nomes de 33 magistrados que compõem o Supremo "sombra". Ofensiva para travar a constituinte entrou na fase crucial.

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Numa sessão especial, o parlamento deu posse a 33 juízes do Supremo sombra Reuters/UESLEI MARCELINO

A oposição ao regime do Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, cumpriu esta sexta-feira mais uma etapa da sua campanha de desobediência civil para impedir a instalação de uma assembleia constituinte e forçar a realização de eleições. Assim que terminou a paralisação geral de 24 horas (cumprida quinta-feira), a maioria da Mesa da Unidade Democrática (MUD) na Assembleia Nacional voltou ao trabalho e, ignorando as ameaças do regime, aprovou a nomeação de um tribunal paralelo – com as mesmas competências do Tribunal Supremo de Justiça, dominado pelo chavismo, e que a oposição responsabiliza pelo “rompimento da ordem democrática” da Venezuela.

“Quem quer que venha a assumir indevidamente funções públicas, civis ou militares, é culpado do crime de usurpação”, declarou o Supremo, que antes do anúncio desta decisão já tinha declarado o parlamento em “desacato” e anulado todas as leis que viessem a ser aprovadas pela maioria. Foi aliás essa sentença, em Abril, que trouxe os venezuelanos de volta para a rua, em protestos diários que já fizeram mais de uma centena de mortos.

“Vamos manter a pressão. Hoje nomeamos os juízes e amanhã [sábado] voltamos à rua”, garantiu o deputado opositor e dirigente do partido Vontade Popular, Freddy Guevara. “A ditadura acusa-nos de montar um Estado paralelo, mas nós somos o Estado constitucional. Afinal, quem foi que usurpou as funções do parlamento?”, perguntou. Numa sessão especial, realizada numa praça da cidade, o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, nomeou os 33 magistrados que formarão o Supremo “sombra”. “Estamos a fazer história, avançando no caminho da recuperação institucional do país”, disse, frisando a legalidade do seu acto segundo o artigo 264.º da Constituição.

A uma semana da escolha dos delegados da assembleia constituinte – uma eleição que a MUD denunciou como “fraudulenta” e irá boicotar –, a tensão política na Venezuela está ao rubro. Numa derradeira ofensiva contra o Governo, que foi baptizada como “Hora Zero” e entra agora na fase “crucial”, a oposição realizou uma consulta popular sobre a revisão constitucional, rejeitada por 98% dos 7,6 milhões de venezuelanos que participaram na votação (37% do eleitorado), e convocou uma paralisação cívica de 24 horas (uma acção que já não acontecia no país desde 2002).

Os promotores avaliaram em 85% a adesão à greve geral de quinta-feira. Em Caracas e várias grandes cidades do país, os transportes estiveram quase parados, os estabelecimentos comerciais mantiveram-se fechados, os balcões dos bancos privados desertos e os estudantes ficaram na rua. As empresas estatais, com a petrolífera PDVSA à cabeça, laboraram como habitualmente – e ao contrário do que sempre sucede em dias de protestos, o Governo manteve a rede de metropolitano de Caracas em funcionamento.

“De Este a Oeste, parou tudo menos a repressão”, escreveu o jornal El Nacional, contextualizando a mobilização das forças militares e de segurança para contrariar as acções dos manifestantes, que arrastaram troncos de árvores, mobílias ou latas de lixo para formar barricadas e impedir a circulação. A Guarda Bolivariana atirou gás lacrimogéneo, os manifestantes dispararam armas artesanais.

Nos confrontos que se seguiram, pelo menos duas pessoas morreram e 367 foram detidas – segundo o Fórum Penal Venezuelano, desde que começaram os protestos anti-governamentais de Abril nunca tinha havido tantas detenções no mesmo dia. “Dei ordem para a captura de todos os fascistas terroristas”, anunciou o Presidente, que responsabilizou pessoalmente o autarca do município de Sucre, na área metropolitana de Caracas, Carlos Ocariz, por um incêndio que deflagrou num posto de correio ocupado pela polícia na sequência de confrontos com manifestantes.

“No dia 30 de Julho vamos cobrar todas as contas, das greves e das sabotagens”, declarou Nicolas Maduro, num clube de oficiais do Exército onde se apresentaram os candidatos jovens à constituinte. Maduro também atacou directamente Freddy Guevara. “Esse rapaz estúpido já tem a sua cela pronta. Quando esse estúpido apareceu a convocar a greve eu disse: Com que cú se senta esta barata. Terrorista imbecil”, insultou o Presidente, segundo a BBC Mundo.

Esta sexta-feira, Diosdado Cabello, o número dois do Partido Socialista Unido da Venezuela e cabeça de lista à assembleia constituinte, também ameaçou prender todos os “usurpadores” assim que se cumprisse a eleição e o actual parlamento fosse dissolvido.

A violência do regime foi demais para Isaías Medina, ministro conselheiro na missão da Venezuela junto das Nações Unidas que num vídeo posto a circular na Internet explicava não se sentir capaz de “integrar um Governo que sistematicamente ataca manifestantes e não reconhece o direito constitucional à greve, viola a Constituição e os direitos humanos”. O embaixador venezuelano na ONU, Rafael Ramirez, confirmou o despedimento imediato do diplomata, cuja conduta qualificou de “desonesta”.

Esta semana, um grupo de mais de cem legisladores colombianos e chilenos entregaram uma queixa contra o Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, ao Tribunal Penal Internacional de Haia, denunciando abusos dos direitos humanos e outras violações da legislação internacional por parte do regime de Caracas.

Reunidos na Argentina, os presidentes dos países que integram o Mercado Comum do Sul (Mercosul) condenaram a violência na Venezuela e ameaçaram tomar outras medidas, como a aplicação de sanções económicas e até a expulsão do país daquele bloco económico regional, se o Governo de Caracas não reconsiderar a sua decisão e desistir da realização da constituinte.

 

 

 

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