Mossul pode ter sido palco do mais mortífero ataque dos EUA em 25 anos

EUA investigam bombardeamento que deixou dezenas, ou centenas, de pessoas mortas ou a morrer sob escombros. A responsabilidade pode ter sido americana, mas também uma cilada do Daesh.

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Forças iraquianas apoiadas pela aviação americana lutam contra o Daesh para retomar a parte ocidental de Mossul, cheia de ruas estreitas e onde estarão 400 mil civis YOUSSEF BOUDLAL/Reuters

De quem é a culpa do que aconteceu há duas semanas em Mossul ninguém sabe. Pessoas morreram após dias a fio soterradas, houve muitos mortos após bombardeamentos norte-americanos de prédios em que procuraram refúgio, ou onde foram obrigados a esconder-se por combatentes do Daesh, segundo relatos de alguns dos sobreviventes. 

Pode ter sido um ataque aéreo dos Estados Unidos, uma cilada do Daesh que fez explodir edifícios com civis, ou um ataque norte-americano com efeitos amplificados por explosivos postos pelo grupo islamista, e o número de vítimas deverá, segundo informações iniciais de comandantes iraquianos, andar pelas duas centenas.

O ataque ocorreu a 17 de Março e responsáveis americanos dizem que não é claro se as duas centenas se referem a apenas um ou vários incidentes. Se for só um, e for devido a acção dos EUA, será o mais mortífero ataque americano no mundo desde há duas décadas, segundo o jornal norte-americano Christian Science Monitor, e o pior na região desde a invasão do Iraque há 14 anos.

As Nações Unidas falam em 307 mortos e 273 civis feridos entre 17 de Fevereiro e 22 de Março, numa situação provocada pela grande concentração de pessoas na parte ocidental de Mossul, zona da cidade velha, com as suas ruas estreitas e combatentes do Daesh a usar civis como escudos humanos. Estimam-se que 400 mil pessoas continuem nesta parte da cidade.

“É um inimigo que explora os civis para os seus propósitos”, disse o alto-comissário para os direitos humanos Zeid Ra’ad al-Hussein. “É vital que as forças de segurança iraquianas e os seus parceiros de coligação evitem esta armadilha.”

Os Estados Unidos têm equipas a investigar, mas suspeitam de uma manobra do Daesh: “É possível que o tenham feito para adiar a ofensiva em Mossul”, disse o chefe do exército Mark Milley, citado pela agência Reuters.

"Não saiam de casa"

A Amnistia Internacional juntou outro dado preocupante: a coligação e as forças iraquianas avisaram, repetidamente, os residentes para não sair das suas casas. “A coligação sabia que os ataques iriam provavelmente resultar num grande número de mortes civis”, diz a responsável da ONG Donatella Rovera ao diário britânico The Guardian.

O relato do repórter Martin Chulov, do Guardian, é impressionante. O jornalista falou com iraquianos num centro de refugiados que saíram dos seus bairros de Mossul. “Há seis familiares meus soterrados debaixo da nossa casa”, contou Assad, 32 anos, mostrando as mãos que usou para tentar afastar os escombros. “Não há equipas de resgate, nada, só nós e as nossas mãos”.

Muitas das vítimas foram morrendo nos cinco dias que demorou até chegar alguma ajuda. Foi então que os sobreviventes foram também retirados do local.

Alguns contaram que foram forçados por combatentes do Daesh a ficar dentro de edifícios atingidos, outros que apenas procuraram refúgio em caves por pensarem que era seguro. Havia atiradores furtivos do grupo islamista em cima de alguns prédios a disparar contra tropas iraquianas, e estes edifícios foram bombardeados, conta um dos habitantes do local, Majid al-Najim. “É razão suficiente para lançar uma enorme bomba, um sniper num telhado?” questionou Najim. “Depois disso, precisávamos de equipamento para resgatar as pessoas. Um bulldozer. Qualquer coisa. Mas os responsáveis corruptos do Governo não nos ajudaram. Este é um crime enorme.”

O comandante das forças especiais do Iraque, general Maan al-Saadi, disse ao New York Times que lamentava o sucedido, mas que o incidente era um resultado infeliz numa guerra complicada. Lembrando que perdeu centenas de homens a combater o Daesh, se este incidente for o preço para “libertar toda a cidade de Mossul” – “penso que é algo normal”.

Discute-se se o aumento de vítimas civis dos ataques americanos é resultado de uma mudança de direcção operacional feita sob a nova administração de Donald Trump. Houve aumentos semelhantes em operações perto de Raqqa, a “capital” do Daesh na Síria. A Administração nega que tenha havido alterações, mas comandantes iraquianos citados pelo New York Times como Ali Jamil dizem que enquanto antes os ataques que pediam eram adiados ou ignorados, agora a resposta é mais rápida. 

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