O terramoto "mais intenso em quase um século" pôs o México a pensar em 1985

Sismo de magnitude 8,2 afectou vários estados do Sul do país, nas cidades mais pequenas e com construções mais frágeis. Foram encontrados 58 corpos, mas a Cidade do México escapou a uma tragédia como a de há 32 anos.

Fotogaleria
Os maiores danos verificaram-se nos estados do sul MARIO ARTURO MARTINEZ/EPA
Fotogaleria
As equipas de salvamento vão contonuar a trabalhar nos próximos dias PEDRO RASGADO/EPA
Fotogaleria
O esatado de Oaxaca foi um dos mais afectados JOSE TORRES/EPA
Fotogaleria
O edifício da câmara municipal de Juchitan, no estado de Oaxaca PEDRO RASGADO/EPA
Fotogaleria
Na Cidade do México o susto levou as pessoas para as ruas Claudia Daut/Reuters

Faltavam menos de duas semanas para que os habitantes da Cidade do México se juntassem em vários grupos, em escritórios, escolas e nas ruas, para fingirem como seria enfrentar um sismo de magnitude 8 na escala de Richter. O simulacro estava marcado para 19 de Setembro, no aniversário do terramoto que matou milhares de pessoas e arrasou uma grande parte da capital mexicana em 1985, mas a realidade foi mais rápida e ultrapassou a ficção: na madrugada desta sexta-feira, um terramoto de magnitude 8,2 sacudiu vários estados no Sul do México e foi sentido com violência no chão, nos monumentos e nas casas da capital, a quase mil quilómetros de distância.

Desta vez, a gigantesca capital do México e os seus quase dez milhões de habitantes sofreram pouco mais do que arranhões em comparação com o que aconteceu há 32 anos – e também em comparação com o que aconteceu na madrugada de sexta-feira em algumas cidades mais pequenas de estados mais pobres, como Oaxaca, Chiapas e Tabasco, mais a Sul, junto à fronteira com a Guatemala.

Nas 12 horas após o terramoto, as equipas de salvamento encontraram os corpos de 58 pessoas – 45 em Oaxaca, dez em Chiapas e três em Tabasco. Neste último estado morreram duas crianças, uma na queda de um muro e outra depois de o ventilador a que estava ligada ter deixado de funcionar devido a um corte na electricidade, segundo disse o governador de Tabasco, Arturo Nuñez.

Os trabalhos de salvamento vão continuar nos próximos dias, e as autoridades já avisaram que poderá haver mais vítimas mortais, principalmente nas pequenas cidades com construções mais frágeis e muito mais próximas do epicentro do terramoto do que a Cidade do México. O terramoto foi também sentido na vizinha Guatemala, onde há notícia de pelo menos um morto.

Os habitantes da Cidade do México e milhões de pessoas por todo o mundo com mais de 40 anos de idade terão associado o sismo desta sexta-feira ao devastador terramoto de 1985, mas as condições em que ambos se registaram são muito diferentes – o que terá poupado os habitantes da grande metrópole a um cenário mais trágico.

PÚBLICO - Sismo na costa mexicana
Aumentar
Sismo na costa mexicana Público

É verdade que a magnitude do terramoto de sexta-feira foi muito maior do que a registada em 1985 em termos de energia libertada: quase duas vezes maior, segundo o calculador da agência norte-americana United States Geological Survey. Isto se a comparação for feita entre a magnitude 8 registada em 1985 e a magnitude 8,2 registada na madrugada de sexta-feira pelo Serviço Sismológico Nacional do México (a agência norte-americana que monitoriza a ocorrência de sismos registou uma magnitude de 8,1). Nas palavras do Presidente Enrique Peña Nieto, o que aconteceu na madrugada de sexta-feira foi o terramoto "mais intenso em quase um século".

Mas, ao contrário do que aconteceu há 32 anos, a maior distância do epicentro e a maior profundidade a que ocorreu o sismo de sexta-feira causaram mais alarme e pânico na Cidade do México do que propriamente destruição – há vídeos partilhados nas redes sociais que mostram estátuas a balançar, muitas pessoas nas ruas de pijama e chinelos e alguns danos em edifícios, mas não se espera que o passar dos dias revele uma tragédia em termos de vítimas mortais.

O terramoto de 1985 ocorreu a 350 quilómetros da capital e a 20 quilómetros de profundidade, ao largo do estado de Michoacán; já o terramoto de sexta-feira ocorreu a quase mil quilómetros da Cidade do México e a 33 quilómetros de profundidade.

Para além das distâncias, a capital mexicana era então uma cidade muito diferente do que é agora: depois do terramoto, o povo mexicano descobriu que ninguém respeitava as leis de construção, num país que é um conhecido íman para terramotos devido à sua localização geográfica na costa do Pacífico, e numa cidade que amplifica o poder de devastação de um sismo por assentar em grande parte nos terrenos mais instáveis que sobraram do antigo lago Texcoco.

Anos depois do terramoto de 1985, a capital mexicana começou a reerguer-se com mais respeito pelas normas de segurança, à semelhança de cidades como Tóquio e São Francisco. Mas o que aconteceu naquele dia 19 de Setembro foi mais do que uma tragédia que fez colapsar centenas de edifícios, que danificou outros milhares e que matou um número de pessoas ainda hoje impossível de determinar – foram recuperados cinco mil corpos, mas desde cedo foram postos a circular os mais variados números de mortos, de cinco mil a 45 mil.

A forma como o Governo do então Presidente Miguel de la Madrid lidou com as consequências do terramoto ditou também o nascimento de uma nova geração de activistas saídos da sociedade civil, desiludidos com a inacção das autoridades. O Presidente só falou pela primeira vez ao país um dia depois do terramoto, recusou ajuda internacional num primeiro momento e assistiu à multiplicação de associações de cidadãos que se responsabilizaram por muitos dos esforços de reconstrução. E foram os eleitores saídos desse movimento que, nas eleições de 1988, quase tiraram pela primeira vez do poder o Partido Revolucionário Institucional, que governava o México desde 1929.

Sugerir correcção
Comentar