O risco de desvalorizar a Rússia

A estratégia global da Rússia tornou-se mais audaz e proeminente.

Nos últimos 25 anos o mundo habituou-se a olhar a Rússia como um país que resvala para a irrelevância. Muitos no Ocidente sentiram que essa vulnerabilidade abriu uma oportunidade para aniquilar um antigo inimigo. Esta percepção é insensata.

Apesar de períodos tenebrosos como o da monstruosidade estalinista, a Rússia tem um passado grandioso de séculos, que orgulha os seus cidadãos. Durante metade do séc. XX a União Soviética dividiu com os Estados Unidos a influência e a tutela sobre grande parte do mundo. A própria Europa e mesmo a Alemanha, estiveram divididas entre essas esferas de influência. No início da década de 1990 reformas de abertura introduzidas por Gorbatchov induziram a implosão da União Soviética, a independência de várias das suas regiões e a libertação dos países europeus que controlava, numa dinâmica centrífuga que transformou o mundo. Terminara a Guerra Fria.

Gorbatchov iniciou privatizações que, como também frequentemente sucede no Ocidente, se transformaram numa oportunidade de ouro para corruptos e indivíduos sem escrúpulos. À sombra dessas privatizações geraram-se fabulosas fortunas a partir de basicamente nada. Criou-se uma rede de máfias criminosas. Este processo empobreceu a população, que passou a viver muitíssimo pior que no período soviético. A população viu que as reformas os empobreceram enquanto tornaram alguns em arrogantes bilionários. Os russos veneram a grandiosidade da sua história e sentem-se encurralados pelo Ocidente que consideram que os humilhou ao absorver ostensivamente os seus antigos “aliados” como se se tratasse de troféus de vitória. Ambos retomaram um evitável discurso de desconfiança e mesmo agressividade.

O Ocidente não está a ser inteligente a longo prazo. A população russa atravessa uma crise de identidade e irá redefini-la. Não nos iludamos com a “fragilidade” pós-soviética da Rússia. Este é o país maior do mundo, com uma área superior à soma das áreas de toda a Europa e dos Estados Unidos, que se estende desde a Europa atlântica ao Pacífico no extremo da Ásia. Continua a possuir o maior arsenal nuclear do mundo. É o 2º maior produtor mundial de petróleo, detém as maiores reservas de gás natural do planeta e imensas reservas minerais que serão estrategicamente vitais neste século, num mundo cuja população irá crescer até 11 mil milhões de habitantes, o quádruplo da população mundial de há apenas 6 décadas. E a Rússia possui um interminável espaço vital que, com o aquecimento global, constituirá uma enorme reserva para segurança alimentar colectiva.

O mundo das próximas décadas encerra potenciais perigos avassaladores. Para enfrentar esses perigos necessitaremos de alianças tão vastas quanto possível com nações determinantes como a Rússia, a China e a Índia, por exemplo. Não é tão difícil como parece´, com imaginação.

Após o colapso da União Soviética a Rússia atravessou dificuldades financeiras. Tudo se degradou, incluindo o seu aparelho militar. A sua base naval do Pacífico, em Vladivostok, passou a exibir uma enorme frota parcialmente ferrugenta. Mas a Rússia teve um posterior período de grande crescimento económico e tudo, inclusive o seu poder armado, se desenvolveu. A força naval em Vladivostok é, novamente, impressionante. A Rússia evolui, em geral.

É certo que a dependência excessiva da Rússia perante o petróleo a vulnerabiliza perante a baixa dos seus preços desde 2014. O petróleo representava 50% das receitas do estado russo há 2 anos e agora gera apenas 37%. Mas a Rússia é um dos produtores de petróleo menos atingidos pela queda dos preços. O custo de produção do barril de petróleo na Rússia é dos mais baixos do mundo. Enquanto a maioria dos produtores viu implodir as suas margens, a Rússia mantem uma ainda confortável. O custo de produção na Rússia é de 17 dólares por barril enquanto se eleva a 36 nos Estados Unidos e na Noruega, 35 em Angola, 41 no Canadá ou 52 no Reino Unido. Acresce que a Rússia detinha um fundo de 92 mil milhões de dólares para a eventualidade de queda prolongada desse preço. Embora esse fundo, após 2 anos, já esteja reduzido a 32 mil milhões e possa extinguir-se no 2.º semestre de 2017, a Rússia poderá mobilizar um outro fundo, para além de dispor de imensas reservas de moeda estrangeira. A fragilidade financeira russa neste contexto é menor do que se imagina. O seu poder continuará a crescer.

A estratégia global da Rússia tornou-se mais audaz e proeminente. Na recente cimeira das maiores economias do mundo, os G20, foi Putin, não Obama, o presidente da China ou Merkel, que centrou os protagonismos. Apesar da sua sinuosidade de objectivos, a intervenção militar da Rússia na Síria em poucos meses virou os “equilíbrios” do conflito e desencadeou a perda de força do “Estado Islâmico”.

Em síntese, apesar das irritantes inconsistências das posturas russas, talvez a estratégia ocidental mais lúcida deva ser a de reinventar uma mentalidade de aproximação que, a longo prazo, possa gerar um ambiente de aliados que poderá ser vital para vencer grandes riscos comuns no futuro.

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