O Príncipe Carlos é triste e talvez simpático de mais para ser rei

Está há 65 anos à espera de ser rei. Bedell Smith dedicou-lhe uma biografia, não autorizada. Nela explica que o príncipe é um homem divertido, informal, simpático e de voz sexy.

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Reuters

“Coitado do Carlos" — era isto que Sally Bedell Smith ouvia de toda a gente enquanto trabalhava no seu novo livro sobre o futuro monarca britânico. Carlos Filipe Artur Jorge é herdeiro do trono britânico há 65 anos: a mãe tornou-se rainha quando ele tinha três anos e continua firme aos 90. Passou a vida inteira à espera do seu primeiro e único emprego.

Ofuscado sucessivamente pela mãe, pela primeira mulher e agora pelos dois filhos, Carlos é mais conhecido como o príncipe que se casou com Diana e foi um péssimo marido. Quando ela morreu em 1997, a narrativa estava estabelecida: Carlos era aborrecido, estóico e inspirava pouca compaixão.

“A visão que todos temos dele é de um estereótipo extremamente rígido – encerrado num fato com casaco de trespasse – um bota-de-elástico, o tipo que estragou a vida de Diana”, conta Bedell Smith, que conheceu o príncipe há 26 anos. “Fiquei espantada ao ver como era diferente: divertido, informal, simpático, com uma voz incrivelmente sexy.”

Há quatro anos, a autora sediada em Washington, que escreveu biografias de Diana e da rainha Isabel II, decidiu abordar o futuro rei. O seu livro de 500 páginas, Prince Charles: The Passions and Paradoxes of an Improbable Life (Príncipe Carlos: Paixões e Paradoxos de uma Vida Improvável), não é uma biografia autorizada, mas o palácio ajudou no acesso a aparições públicas, entrevistas e pesquisa.

O livro revela Carlos como filho real, pai, activista e excêntrico. Tem sapatos feitos de pele de rena do século XVIII. É, ao mesmo tempo, muito antiquado (não usa computadores) e muito moderno (toda a vida foi apoiante da conservação e da sustentabilidade). É rico, mas está disposto a seduzir americanos para apoiarem as suas instituições de caridade, incluindo vários patronos em Washington.

No fundo, o livro é a história de um miúdo sensível e solitário e da sua demanda para encontrar um propósito para a vida. O oposto da mãe, em termos de temperamento – ela é directa e imperturbável –, Carlos foi sempre demasiado emotivo e inseguro para uma vida que exige indiferença perante as críticas e sacrifício pessoal.

Mas será que ele tem escolha? Na sua casa de campo em Highgrove, há um letreiro no vestiário que diz: “Sê paciente e aguenta.”

Na década de 1970, Carlos era o solteiro mais desejado do mundo. Os tablóides noticiavam com entusiasmo todos os seus encontros e escrutinavam todas as suas namoradas como possível futura rainha. O Presidente dos Estados Unidos Richard Nixon tentou fazer um arranjinho para a filha, Tricia, e sentou Carlos ao lado dela durante a visita do príncipe a Washington em 1970. (Carlos não ficou impressionado e descreveu-a como “artificial e plástica”.)

Todos sabem a história do seu famoso e malfadado primeiro casamento com Diana Spencer. Bedell Smith explica por que é que Carlos pediu em casamento uma rapariga de 20 anos que mal conhecia. Ele tinha seguido os conselhos do seu mentor, Louis Mountbatten, e tinha tido casos com mulheres que não eram – segundo os padrões da época – dignas de serem princesas. Mas Carlos planeava casar-se antes de fazer 30 anos e sentiu-se ansioso e pressionado quando essa data passou e ele continuava sem noiva. Quando Diana pôs os olhos nele, casou-se com ela, em 1981, apesar de não estar apaixonado.

No entanto, estava louco por Camila Parker Bowles, que tinha conhecido em 1972. Ela era irreverente, sexy, não se deixava intimidar e era o complemento ideal para o sério herdeiro do trono. Os dois tiveram um caso durante seis meses, mas Camila estava apaixonada pelo seu namorado da época, Andrew Parker Bowles. Casou-se com este sedutor infiel enquanto Carlos estava fora a cumprir os seus deveres na Marinha, o que deixou o príncipe estupefacto. Mas os dois continuaram amigos e recomeçaram a relação de forma séria ao fim de cinco anos do casamento infeliz dele.

Este triângulo amoroso terminou num divórcio atribulado e humilhante, que criou uma imagem pública de Diana como vítima de uma família real indiferente e de Carlos como um idiota insensível. O palácio estava a meio de um processo cuidadoso de relações públicas para apresentar Carlos e Camila como casal quando Diana morreu em 1997. Passaram mais oito anos até finalmente sentirem que era possível casarem sem pôr em perigo o direito dele ao trono.

Entretanto, Carlos manteve-se ocupado com dúzias de causas, que leva muito a sério. “Trabalhou muito para ser admirado e aceite pelas coisas que fez e não por causa daquilo que nasceu para ser”, afirma Bedell Smith.

Como príncipe de Gales, Carlos herdou o ducado da Cornualha, que gera 25 milhões de dólares (23,4 milhões de euros) por ano em rendimentos, que ele utiliza para pagar aos seus empregados e para sustentar William e Kate e Harry. Apesar da fortuna, nunca teve problemas em angariar milhões vindos de patronos americanos para as suas instituições de caridade. “A astúcia de Carlos para obter dinheiro de patronos entusiasmados estava perigosamente ligada a um fraquinho pela companhia e privilégios dos super-ricos”, escreve Bedell Smith.

Em 1997, Carlos contratou Robert Higdon, um nativo de Washington que tinha trabalhado para Ronald e Nancy Reagan e para Margaret Thatcher, como director executivo da Fundação Príncipe de Gales. Higdon remodelou a fundação, expandiu a sua missão de caridade e persuadiu casais a doar 20 mil dólares (18,7 mil euros) por pessoa para conviver com Carlos em Highgrove e em outros palácios reais. Estas visitas também se tornaram um veículo para Camila lançar uma ofensiva de charme a nível internacional.

Esta aposta foi tão bem-sucedida que, em 2008, Joe L. Allbritton enterrou 2,5 milhões de dólares (2,3 milhões de euros) no desenvolvimento da Duchy USA, uma gama de produtos oriundos das propriedades do príncipe. Ao fim de quase um ano de planeamento, o projecto foi abruptamente cancelado quando o palácio vendeu os direitos mundiais a uma cadeia de supermercados britânica.

Mas foi tudo perdoado – Allbritton e a mulher, Barby, foram convidados para o casamento de William e Kate em 2011 e Allbritton emprestou o seu jacto privado a Carlos para uma visita rápida a Washington.

A rainha Isabel II faz 91 anos e continua profundamente envolvida nos seus deveres reais. Toma um gin com Dubonnet ao almoço e um Martini antes do jantar. Carlos, actualmente com 68 anos, detém o recorde como herdeiro do trono e pode facilmente passar mais uma década antes de se tornar rei (a avó materna viveu até aos 101 anos).

“A vida dele e os problemas e tormentos por que passou tornaram possível, de certa maneira, a William e a Harry terem vidas muito mais normais”, afirma Bedell Smith. Um conselheiro real contou-lhe: “Eles são os dois tipos numa jangada que escaparam ao naufrágio da família e conseguiram chegar à outra margem.”

Discussões sobre passar por cima de Carlos e dar a coroa a William têm-se dissipado, o que dá ao jovem príncipe mais tempo para viver uma vida familiar tradicional (segundo os padrões da realeza). Harry, que é quinto na linha de sucessão ao trono, provavelmente tem o melhor dos dois mundos – uma relação extremamente próxima com o irmão e fama e dinheiro suficientes para fazer praticamente tudo o que quiser.

E Camila? O tempo cura tudo – ou, pelo menos, perdoa. A mulher que em tempos foi alcunhada como "Rottweiler" conseguiu a aceitação pública. Conta com o apoio total da rainha (que está grata por o filho ser finalmente feliz) e com a cumplicidade descontraída de William, Kate e Harry.

Quando Carlos e Camila casaram, em 2005, o palácio tentou apaziguar os fiéis a Diana ao declarar que Camila seria tratada por "princesa consorte” quando Carlos se tornasse rei. Neste momento, parece que, afinal, vai ser rainha. Quando lhe fizeram uma pergunta sobre este assunto, durante uma entrevista com a NBC em 2010, Carlos gaguejou: “Isso, bem… a ver vamos, não é? Pode ser”.

Mas isto, tal como tudo na vida de Carlos, faz parte do futuro.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

 

 

 

 

 

 

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